As imagens da destruição do Rio Grande do Sul remetem ao poema "A rosa de Hiroshima", de Vinicius de Moraes, musicado por Gerson Conrad, do Secos & Molhados. Nas ruas e nos abrigos de Porto Alegre e de outras cidades vemos crianças mudas, mulheres rotas e alteradas; pensamos nas mortes e desaparecimentos ainda cálidos, recentes, vemos as muitas feridas abertas.
Diferentemente da rosa/bomba que arrasou Hiroshima, a tragédia gaúcha não foi resultado de uma deliberação de inimigos declarados, mas da leniência de administradores públicos que, sabedores do risco, optaram por ignorá-lo; omissão ativa que, ao longo dos anos, cultivou a catástofre.
As informações que, aos poucos, vêm à tona revelam que a irresponsabilidade e o desprezo à população forjaram uma espécie de versão improvisada do projeto que resultaria nas bombas lançadas no Japão.
É o descaso em relação à vida que permite a políticos ignorarem princípios básicos de respeito ao ambiente. Respaldados por um discurso negacionista e anticientífico oculto sob a velha capa da suposta modernidade, deputados sob o comando do governador Eduardo Leite (PSDB) passaram a boiada que pisoteou o Código Ambiental do estado.
A lógica da conservação e de respeito mínimo ao ambiente passou a ser vista como retrógada, trava ao progresso, barreira ao empreendorismo, palavra que, nos últimos anos, ganhou manto religioso entre nós. No programa de governo que registrou em 2018, Leite usou 27 vezes variações da palavra "ambiente" — na maioria das vezes, associada a questões relacionadas a atividades econômicas. Falou em "ambiente regulatório" e em "ambiente favorável aos negócios". Cumpriu a promessa.
A rosa de Porto Alegre foi também adubada por prefeitos da capital gaúcha. O anterior, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), extingiu o Departamento de Esgotos Pluviais, encarregado de manter e monitorar o sistema de controle de prevenção de enchentes. Perdeu os prazos para a assinatura de programa federal de prevenção a cheias que teria o valor de R$ 121,9 milhões.
O atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), manteve a rosa da catástrofe na estufa ao não cuidar dos equipamentos — dique, Muro da Mauá, bombas — que diminuiriam o impacto das enchentes.
Os gestos foram decisivos para o florescimento da rosa estúpida, sem cor e que espalha o cheiro de podre pelo sul. Rosas de fogo, como as do poema "A grande enchente", de Mário Quintana. Cabe ao estado seguir exemplo cantado por Gilberto Gil em "A paz", que encare a tragédia como exemplo para o futuro. Na canção, ele cita que a bomba sobre o Japão fez nascer o Japão da paz.