Por: Fernando Molica

O simplismo eficiente da direita

Uma das grandes vantagens da direita — em particular, da mais extremada — em relação à esquerda é sua capacidade de anunciar soluções simples e mágicas para problemas complexos. Atua como a criança que faz pedidos para a fada do dente ou para o Papai Noel.

Uma simplificação que trabalha na lógica do bode expiatório, que, em momentos graves da humanidade, foi/é capaz de convencer milhões de pessoas que a culpa de tudo de ruim era/é de negros, estrangeiros, judeus, gays, árabes, ateus, palestinos, comunistas, macumbeiros ou de imigrantes africanos ou latino-americanos.

O processo histórico é complexo, multifacetado, resultado de incontáveis interesses, pressões e, mesmo, acasos; uma sucessão de fatores que ameaça valores, aparenta muitas vezes não fazer sentido ou apontar saídas. Nessas horas, é tentador aderir aos que indicam um culpado e/ou propagam soluções baseadas na dicotomia céu e inferno, bem e mal.

Enquanto a esquerda com frequência exagera em elucubrações que, bem-intencionadas, não conseguem indicar caminhos para a solução de problemas como a violência urbana, a direita saca a receita de sempre, que converge para o endurecimento da atuação policial e do sistema penitenciário.

A goleada tomada pelo governo no caso das saídas temporárias de presos é um exemplo da vitória dessa visão simplista que ignora um fato óbvio: detentos, um dia deixarão a cadeia, é melhor que esse processo seja feito de maneira razoavelmente controlada, que permita alguma esperança de reinserção na sociedade.

Mas não adianta exibir estatísticas, repetir que 95% dos presos beneficiados por saídas temporárias retornam para penitenciárias. É quase uma perda de tempo ressaltar que o excesso de pressão tende a ser perigoso, lembrar casos em que a aplicação da chamada linha dura em cadeias gerou consequências graves para a sociedade, estimulou a organização de detentos, foi decisiva para a criação e expansão de organizações criminosas. 

Que Manuel Bandeira me perdoe pela citação capenga, mas que importam os números, as estatísticas, os fatos, os exemplos históricos, uma boa análise da conjuntura? O que eles veem é a tranca. A tranca que vai impedir não apenas a saída dos presos, mas também a rebeldia do filho, os namoros da filha, as farras do marido ou as puladas de cerca da esposa. Em compartimentos trancados seriam assim deixadas frustrações, medos, desejos, responsabilidades — tudo ficaria lá, confinado num lugar inviolável.

Outra característica infantil deste pensamento conservador tão assustado com a modernidade, principalmente no campo do comportamento, é uma espécie de saudade do autoritarismo paterno. Uma nostalgia que acaba sendo transferida para o paizão simbólico que estiver disponível: militares, policiais ou ditadores. É preciso um fortão que, em nome de Deus, o Pai maior, vai botar tudo nos conformes.

Os golpistas que marchavam e oravam diante de quartéis não escondiam a vontade de ter alguém que desse ordens, que determinasse o horário das refeições e o de ir pra cama. Um sujeito que espantasse frustrações como quem dá um passa-fora no bicho papão.

O crescimento da extrema direita em tantos países revela uma certa exaustão de um modelo de sociedade que tentou conciliar o pragmatismo liberal com um sentimento de solidariedade inspirado em princípios socialistas.

O sonho da construção de um novo homem, solidário e generoso, perdeu espaço para a pregação de progresso individual. O limpa-trilhos do pensamento reducionista passou por cima de convicções de uma esquerda que, como na velha piada, ferida, jogada no asfalto, parece perguntar se alguém anotou a placa do caminhão que a atropelou.