Mais do que belas, as imagens de "Ripley" (Netflix) são tão eficientes ao contar a história do estelionatário e assassino Tom Ripley (Andrew Scott) que as falas dos personagens viram coadjuvantes da série.
O premiado cineasta brasileiro Murilo Salles ("Nunca fomos tão felizes", "Faca de dois gumes", "Como nascem os anjos") costuma desdenhar de um importante colega nova-iorquino que ancora sua vasta produção em incríveis, irônicos e engraçadíssimos diálogos.
Também diretor de fotografia, Salles, com toda sua empáfia tricolor, recorre ao nome de uma velha banda de rock para dizer que os filmes do norte-americano são um desfile de "talking heads", ou seja, de cabeças falantes.
Salles jamais poderia falar o mesmo de "Ripley". A elegância das imagens e a precisão da montagem da série dirigida por Steven Zaillian são espetaculares, mas não existem por capricho, cumprem a função de contar muito bem uma história.
A opção pelo preto e branco reforça a dramaticidade e a presença na trama de Caravaggio (1571-1610), pintor que serve de referência aos protagonistas. Enfatiza o mistério, o claro-escuro (como é dito por um personagem, tudo tem a ver com luz) e a eterna luta do bem contra o mal.
Mas, acima de tudo, toda a beleza das imagens existe para conduzir a narrativa, para que a maior parte do enredo seja explicitado sem a necessidade de palavras. Há cenas de muitos minutos sem qualquer diálogo ou narração; sequências tensas, impactantes, sem um pingo de monotonia.
Também autor do roteiro — escrito com Patricia Highsmith —, Zaillian não recorreu ao gol com a mão de cenas em que um sujeito fala sozinho, explica seus sentimentos, o que sente, o que pensa, antecipa o que vai fazer. Nenhum personagem de "Ripley" precisa verbalizar o que está explícito em seu rosto, em seus movimentos.
A competência do que é visto é tamanha que até disfarça algumas forçadas de barra do roteiro, que aqui e ali, se desvia da verossimilhança ao permitir que Ripley escape de situações que impediriam o prosseguimento de sua carreira criminosa.
Não vale aqui adiantar detalhes, mas a incompetência da polícia e a inocência de personagens enrolados pelo vigarista/homicida são exageradas. A inteligência e a perspicácia de Ripley são proporcionais à estupidez de seus perseguidores e de pessoas por ele enganadas.
Mas vale o escrito, principalmente, o que é escrito com imagens. São elas que nos conduzem, indicam caminhos, apontam armadilhas, revelam medos e dúvidas, destacam a crueldade e o horror de assassinatos. Diretor de fotografia da série, Robert Elswit seguiu a trilha de Caravaggio, mostrou saber que o segredo está na luz.