Por: Fernando Molica

A ilha de Lucas Paquetá

Paquetá falou sobre sua polêmica pessoal e sobre o momento da Seleção Brasileira | Foto: Rafael Ribeiro/ CBF

Caso seja verdadeira, a história contada pelo jornal inglês The Sun sobre Lucas Paquetá exige que o jogador seja cortado da seleção brasileira que disputará a Copa América.

A notícia publicada só não é inacreditável porque esta palavra há muito foi desmoralizada entre nós. Mas é espantoso demais que Paquetá, craque reconhecido e milionário, possa ter armado um esquema para favorecer parças de... Paquetá, sua terra natal.

Se comprovada, a fraude deverá gerar o fim da carreira do jogador de 26 anos, que seria impedido de voltar a praticar futebol profissional.

A reportagem é baseada no relatório sobre o caso feito pela Football Association, a CBF de lá. Segundo a investigação, o jogador do West Ham forçou quatro cartões amarelos entre 2022 e 2023 para que uns amigos de bairro ganhassem apostas que somam o equivalente a R$ 670 mil. Isso representa 15% do salário mensal bruto do craque da seleção.

Como qualquer pessoa acusada, Paquetá tem o direito de se defender, o ônus de comprovar suspeitas cabe aos investigadores. Mas, enquanto a situação não é devidamente apurada, as evidências recomendam que ele fique fora da seleção.

Não dá pra equipe que mais títulos mundiais conquistou ter em seu elenco alguém que, segundo as apurações, fraudou o esporte que tanto nos fascina. A Amarelinha não merece mais este peso.

E olha que, no universo do futebol brasileiro, dirigentes são, historicamente, os principais vilões. Atletas, na quase totalidade dos casos, são jovens que, como quaisquer outros, apenas querem chances para exercer seu talento. Almejam ganhar a vida com o talento que possuem.

Mas, até pela exposição e pelo fascínio que exercem, eles não podem se envolver em casos tão graves. O que está em jogo é muito mais, tem a ver com a lógica do esporte, algo que, no limite, encena a própria vida.

Vale muito torcer para que Paquetá seja inocente, mas, a julgar pela reportagem, a situação dele é bem complicada. Segundo a investigação, houve 60 apostas que bancaram o palpite de que ele tomaria cartão amarelo nos tais jogos da Premier League. Todas as apostas foram feitas na Ilha de Paquetá.

Se o jogador não for culpado, a ilha poderá ostentar o título de ter a maior concentração de adivinhos no planeta — segundo o IBGE, por lá viviam, em 2022, exatos 3.486 habitantes. Ter entre eles tantas pessoas capazes de prever algo tão inusitado é algo que merece entrar no Guinness.

A eventual culpa do jogador revelará não apenas sua desonestidade, mas também sua, digamos, pouca inteligência. Não dá para um atleta de seu nível acreditar que seria fácil enganar operadoras de jogos — os chefões dessa atividade sabem muito bem lidar com fraudes. Os computadores dessas empresas são programados para detectar qualquer movimento que fuja aos padrões.

Caso sejam comprovadas, as acusações sepultarão de vez a história da Lei de Gérson, algo que tanto perseguiu nosso grande ex-jogador, campeão do mundo em 1970.

Isso porque ele protagonizou um comercial de TV que ressaltava as supostas qualidades de uma marca de cigarro, mais barata que as concorrentes. "Gosto de levar vantagem em tudo, certo?", recitou.

Num país que, em plena ditadura, volta e meia era informado de irregularidades no uso do dinheiro público, de tenebrosas transações, o mote do comercial virou sinônimo da falta de ética. Mas Gérson apenas recitou um texto infeliz, não foi culpado de nada. Paquetá agora corre o risco de se tornar sinônimo de fraude, de ficar ilhado no futebol.