Por: Fernando Molica

Belchior e as rugas na estrela petista

O cantor e compositor Belchior | Foto: Divulgação

Preocupado com o envelhecimento de seus quadros, o PT bem que poderia ouvir canções de Belchior (1946-2017) que tratam da passagem do tempo e que ajudam a explicar as rugas na outrora juvenil estrelinha.

Fundado em 1980, na saideira da ditadura, o PT representou uma importante virada na política brasileira, renovou a esquerda, levou para o alto do palanque personagens até então acostumados a montar a estrutura dos convescotes partidários. Mas, como cantou o genial bardo cearense, o que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo.

O PT até que envelheceu bem quando comparado com o quase finado PSDB, com legendas que já nasceram idosas, como o PDT e o PSB, e com o Psol, que reluta em deixar a adolescência. Mas, aos 44 anos, já não consegue esconder a barriga saliente, a calvície e as dores na coluna causadas por tantas reboladas pra lá e pra cá e pelo esforço de carregar aliados bem pesados.

O desgaste do partido tem origem na trajetória que o conduziu à vitória em cinco eleições presidenciais.  Depois de três derrotas os petistas optaram pelo pragmatismo: com palavras menos líricas, concluíram que viver era melhor que sonhar e trataram de jogar o jogo da política.

Lula aparou a barba e o discurso, abrir as portas para setores mais tradicionais. Num dia simbólico, ele e José Alencar, seu futuro vice, ficaram contaram histórias na sala enquanto, num quarto ao lado, José Dirceu e Valdemar Costa Neto tratavam de negócios.

A aliança com muitos dos "trezentos picaretas" — para recuperar definição do próprio Lula — foi essencial para que o PT chegasse ao poder; as concessões para obtenção de maioria no Congresso foram bem-sucedidas, mas representaram o rompimento com o discurso moralista que levou o partido a ser chamado por Leonel Brizola de  "UDN de macacão e tamancos", referência à agremiação que se dizia capaz de acabar com a corrupção.

O PT seguiu uma espécie de maldição da política brasileira e foi se emedebizando — para citar Chico Buarque, de tanto brincar de princesa, acostumou-se à fantasia. O Mensalão e o Petrolão vieram no vácuo. 

As pedaladas processuais de Sérgio Moro e os absurdos cometidos por Jair Bolsonaro deram ao PT uma nova chance, conquistada com muito esforço. Como o velho cowboy que volta à cidadezinha do Velho Oeste para tentar botar ordem na casa, Lula conserva características dos tempos áureos, mas nem ele nem o mundo são os mesmos.

Seu governo tem o mérito de ter reconduzido o país à normalidade institucional, os dados do último PIB mostram uma consistência na condução econômica — isso não é pouco, mas não chega a ser suficiente para despertar paixões em tantos peitos juvenis.

O PT que lá atrás acenou com a mudança, que indicou a possibilidade de rompimento com a chatice da utopia possível verbalizada por Fernando Henrique Cardoso, hoje se vê obrigado a medir passos e palavras. O viés conservador adotado por muita gente, a ascensão da extrema direita e o protagonismo de um Congresso endinheirado arrefeceram sonhos e ousadia dos que haviam encarnado o novo.

Hoje sequer dá pra se falar em bandeiras como descriminalização das drogas e do aborto, o culto à prosperidade individual atropelou projetos coletivos, o agronegócio ocupou o campo simbólico do MST. Como no caso dos diques furados de Porto Alegre, o PT tenta apenas evitar um naufrágio completo de pautas progressistas e procura se reposicionar no mercado de compra e venda de votos no Congresso. É muito pouco, não dá pra construir qualquer utopia em sociedade com o Centrão.

É duro tentar convencer jovens a embarcarem num sonho que se apresenta limitado, que apenas procura evitar derrotas. A velha roupa colorida acabou desbotada, e é bom que petistas coloquem as barbas brancas de molho; o passado não serve mais, um novo sempre vem.