Por: Fernando Molica

Moro e MPF minaram a delação

O então juiz Sérgio Moro | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Noves fora o oportunismo de políticos que criaram e ressuscitaram projeto que restringe as delações premiadas, os maiores culpados pela eventual mudança serão o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores que atuaram na Lava Jato. 

Ao agirem de maneira combinada e ilegal, eles minaram o importante instituto da colaboração, por eles, na prática, equiparado à tortura praticada durante a ditadura, quando delatar companheiros era a única forma de escapar dos suplícios.

As punições físicas foram substituídas por intermináveis prisões provisórias; só saía da cadeia quem, antes mesmo de qualquer condenação, resolvesse dar com a língua nos dentes. 

Levantamento feito em 2017 pelo site Consultor Jurídico mostrou que, na Lava Jato, essas prisões preventivas duravam, em média, 9,3 meses. Ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque ficou 800 dias preso — dois anos, dois meses e dez dias — , só saiu quando aceitou delatar.

A parcialidade de Moro e de integrantes do MP era tamanha que não demorou para que suspeitos entendessem que o caminho para a liberdade passava pela incriminação de petistas e de aliados dos governos Lula. 

A distorção invalidou descobertas importantes e provocou delações mentirosas, como a do ex-ministro Antonio Palocci, que chegou a ser descartada pela Polícia Federal, o que não impediu Moro de liberar seu conteúdo às vésperas do primeiro turno da eleição de 2018.

Em 2016, a Lava Jato já colecionava prisões e delações quando o então deputado petista Wadih Damous (RJ), que hoje tem cargo no governo federal, apresentou o tal projeto que impede colaborações de réus presos. Na época, tinha o óbvio objetivo de proteger Lula e outros companheiros. Agora, a proposta renasce pelas mãos do deputado Luciano Amaral (PV-AL) para tentar blindar o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados.

Ao justificar seu projeto, Damous, advogado, ex-presidente da OAB-RJ, citou a necessidade de preservar o caráter voluntário das delações e — numa óbvia referência ao prende e joga fora a chave fora implantado pela Laja Jato — evitar que a prisão cautelar fosse "utilizada como instrumento psicológico de pressão sobre o acusado ou indiciado".

As preocupações eram até justas, o problema é que, na prática, a proposta tende a acabar com a delação premiada ou, pelo menos, diminuir em muito sua efetividade. Aprovada, legitimará o liberou geral decidido por Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Suspeitos optam pela delação quando sofrem alguma pressão. Com a polícia em seus calcanhares ou já recolhidos a uma cela, veem na deduragem uma maneira institucional de obter algumas vantagens penais. A lógica do instituto prevê também que o Estado também administre perdas: deixa de punir integrantes menores de um esquema para chegar aos chefes, a Justiça pode decretar a diminuição de até dois terços da pena de um colaborador.

É tênue o limite entre a pressão legítima, admitida pelo sistema jurídico-institucional e pela própria sociedade, e o vale tudo planejado e executado por integrantes da Lava Jato, entre eles, aqueles que, pouco tempo depois, assumiriam a condição de militantes políticos.

A experiência do pega pra capar da operação que, a partir de Curitiba, sabotou o sistema institucional brasleiro mostra a relevância de aperfeiçoamento da colaboração premiada, mas inviabilizar sua aplicação seria muito ruim. 

Não dá pra descartar uma forma de diminuir a chance de o mecanismo ser utilizado como forma de pressão indevida, é importante tirar o pau de arara virtual da sala de audiências. Mas é fundamental também preservar o espírito da delação premiada, um toma lá-dá cá essencial para impedir que apenas os suspeitos de sempre sejam presos e condenados.