Por: Fernando Molica

A morte inútil de um policial

Sargento Jorge Henrique Galdino Cruz, do BOPE, morto em operação na Maré. | Foto: Reprodução

Morto ontem em mais uma das incontáveis e quase sempre inúteis operações policiais em favelas, o sargento PM Jorge Henrique Galdino Cruz é mais uma vítima de uma guerra que só existe porque não atinge a população mais rica.

Essas batalhas praticamente só matam pobres e negros. Os mortos dessas sucessivas incursões são moradores de favelas, inocentes ou bandidos, e policiais de baixa patente. O sargento Cruz tinha 32 anos, era casado, pai de três filhos. Era do Bope, Batalhão de Operações Policiais Especiais, e, para complementar a renda, fazia o que ficou conhecido como bico legal. 

Segundo a página de Transparência do governo estadual, Cruz tinha um bom salário bruto para os padrões brasileiros, R$ 10.549,59. Mas, em maio, depois dos descontos, embolsou R$ 5.888,58. Ele também prestava serviços à prefeitura de Itaguaí: o rendimento pelo trabalho via RAS (Regime Adicional de Serviço) era variável: em abril, R$ 1.509,86; em fevereiro, R$ 257,56. 

O RAS também viabilizava outros ganhos para o sargento: R$ 2.076,54 em abril e março — esses rendimentos estão registrados como "RAS-PARTIC COMPULSOR".

O PM, assim como milhões de brasileiros, tinha que se desdobrar, fazia o que tanta gente faz. Mas agora sua família não vai mais poder contar com os rendimentos extras, terá que se virar com a pensão que irá receber.

Diferentemente dos dois outros mortos na operação de ontem — bandidos, segundo a PM —, Galdino Cruz será enterrado como herói, é justo que seja, morreu cumprindo seu dever como policial. O problema é que as três mortes não mudarão a situação numa cidade que, mais uma vez, mostrou sua fragilidade.

Duas das principais vias expressas do Rio ficaram interditadas, a Fundação Oswaldo Cruz, instituição respeitada internacionalmente, teve que acionar um plano de contigência para proteger funcionários e visitantes.

Não será supresa se, a exemplo do que acontece na Baixada Santista e ocorreu em 2021 na Favela do Jacarezinho, no Rio, colegas do sargento decidam vingá-lo, o que abrirá um novo ciclo de operações policiais e de mortes.

Informações do site do Ministério Público do Rio de Janeiro mostram que a operação de ontem foi a 17a realizada este ano em favelas do Complexo da Maré, mais de duas por mês. Houve outras dez nas comunidades de Manguinhos, Arará e Mandela, que ficam perto, do outro lado da Avenida Brasil.

Como de hábito, a entrada dos policiais gerou pânico, fechamento de escolas, interrupção de funcionamento de postos de saúde. São fatos que deveriam ser excepcionais, mas que se transformaram em rotina. Há décadas que situações como a que ocorreu ontem passaram a ser rotineiras.

A página do MP registra que apenas no último dia 29 a PM fez sete operações em favelas da Região Metropolitana do Rio:  Urubu, Morro do 18, Engenho e Juramentinho; Sapinho; Jardim Catarina;  Complexo do Chapadão (duas vezes); Vila Vintém, Curral das Éguas, 77, Minha Deusa, Light, Cosme Damião; Grão Pará. Dá pra apostar que, hoje, dia 12 de junho de 2024, o tráfico de drogas e/ou a ação de milicianos se desenvolve normalmente em todas essas localidades. 

O trabalho dos responsáveis pela segurança pública é bem difícil, ainda mais num estado em que a criminalidade se confunde com a lógica do domínio territorial, em que quadrilhas dispõem de armamento pesado. Mas, até em nome de Galdino Cruz e de tantas outras vítimas dessa guerra insana, é preciso repensar uma estratégia que apenas empilha corpos, alimenta o ódio e gera discursos inflamados dos que pregam a guerra porque sabem que não estarão na linha de tiro, não serão bucha de canhão.