Por: Fernando Molica

Pobres devem pagar a conta

Equipe de Haddad formula os projetos da reforma | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A julgar pelas movimentações em Brasília, os mais pobres é que, mais uma vez, serão obrigados a cobrir despesas e isenções criadas, de um modo geral, para beneficiar os mais ricos.

Dispersos,  sem representação suficiente no Congresso, os sem grana e sem lobbies são o alvo preferencial dos que, inspirados pela Rainha de Copas de "Alice no país das maravilhas", nunca deixam de entoar o coro de cortem as despesas — despesas com os outros, não com eles.

Depois da desastratada tentativa de mudar da noite pro dia as regras que permitem  compensação de créditos do PIS/Cofins, o governo se vê acuado, com poucas alternativas para não estourar de vez a meta de zerar o déficit de suas contas.

A saída seria contar com a inflação para, aos poucos, diminuir verbas destinadas aos que precisam do seguro-desemprego, contam com o abono salarial (destinado a quem recebe até dois salários mínimos) e dependem do Benefício de Prestação Continuada para viver (o BPC é pago a pessoas com deficiência e a idosos que não têm outra fonte de renda).

Estuda-se também dar um tranco na correção das aposentadorias e nas verbas obrigatórias para saúde e educação. Tudo isso é apresentado com nomes bonitos como revisão e desvinculação de gastos. É lícito discutir alternativas para o equilíbrio entre receita e despesas, o problema é o fato de que os caras só olham para baixo na hora de enxergar os cortes. 

Dono de uma cada vez mais evidente minoria no Congresso, o governo mal consegue defender seus interesses e demonstra ter esgotado sua capacidade de forçar a barra com base na  estratégia de botar o bode na sala.

Foi assim que conseguiu algumas vitórias ao negociar a diminuição gradual dos benefícios previdenciários concedidos a empresas e prefeituras e as isenções aos setores de eventos e de turismo. A derrota no caso da medida provisória do PIS-Pasep demonstra que vai difícil conseguir alguma nova vitória desse jeito.

O impeachment de Dilma Rousseff e a ameaça de o Congresso repetir a dose com Michel Temer e com Jair Bolsonaro deu a deputados e senadores um poder quase absoluto, que funciona na base do papai me empresta o carro — o velho que se vire para pagar combustível e multas.

As emendas ao orçamento de execução obrigatória representam cerca de 20% do pouco dinheiro que o governo tem para investir. Dragão insaciável que exige mais e mais sacrifícios para não botar fogo no parquinho do Planalto, o Congresso ainda força a liberação de recursos para as emendas que dependem de aprovação do governo.

Parlamentares também podem mandar às favas princípios básicos de controle de despesas — fizeram isso ao renovar a chamada desoneração (olha o nome bonito aí, gente!) de 17 setores da economia e ainda incluíram 96% das prefeituras do país no pacote; na prática, autorizaram a diminuição das contribuições para a deficitária Previdência Social.

Caberia aos deputados e senadores definirem a fonte dos recursos para compensar o carinho, mas eles jogaram a bola para o governo, que será responsabilizado em caso de descumprimento da legislação que trata da responsabilidade fiscal.

O cortem as despesas ignora os incentivos fiscais que, no ano passado, fez com que R$ 518,9 bilhões deixassem de entrar nos cofres públicos graças a isenções concedidas a empresas inscritas no Simples, o agronegócio que produz rações no campo e votos no Congresso, a Zona Franca de Manaus, o setor automotivo, hospitais e universidades privados registrados como sem fins lucrativos. Essas cabeças quase nunca são cortadas.