Por: Fernando Molica

O exemplo de Juscelino

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho | Foto: Divulgação

Ministro das Comunicações, Juscelino Filho é inocente até sua eventual condenação, mas as apurações da Polícia Federal indicam que ele está bem enrolado. O roteiro traçado pelos investigadores serve como guia para muitos dos escândalos brasileiros.

Desvios de verbas destinadas a obras públicas não são novidade por aqui, assim como orçamentos superfaturados, licitações fraudadas e indicações de empreiteiras amigas para executar serviços.

Quem acha que isso começou há pouco tempo, em governos petistas, deve dar uma olhada no livro "Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988", de Pedro Henrique Pedreira Campos, o título resume a história. E, sejamos justos, esse tipo de safadeza é bem anterior aos governos militares, apenas foi mantido durante a ocupação do Planalto.

Combinemos que esquemas de corrupção são bem antigos entre nós. O problema é que o empoderamento do Congresso Nacional e a proliferação das emendas parlamentares bagunçaram de vez  o coreto. 

Agora, deputados e senadores não dependem mais exclusivamente de acertos com ministros, governadores e prefeitos e com outros funcionários de alto escalão para viabilizarem suas jogadas. Eles são os donos de boa parte do nosso dinheiro, definem onde vão colocar parte da grana do orçamento da União.

É a velha história do quem contratada a banda tem o direito de escolher a música. Com os recursos em mãos, parlamentares pouco afeitos aos princípios da moralidade pública podem estabelecer condições para destinar as verbas para onde bem entenderem. 

Não é à toa que, entre prefeitos, ficou popular a expressão "comprar emendas". A negociação é simples: o município devolve para o parlamentar uma parte do dinheiro que ele destinou para uma determinada obra ou serviço. Tudo na linha do princípio franciscano do é dando que se recebe citado pelo então deputado Roberto Cardoso Alves, o ideólogo do Centrão.

É muito dinheiro. Do total de emendas incluídas no orçamento de 2024, R$ 33,630 bilhões são de execução compulsória pelo governo. Cada senador tem o direito de determinar a  aplicação de R$ 69,634 milhões; cada deputado pode distribuir R$ 37,871 milhões. Isso, fora as emendas não obrigatórias, usadas pelo governo para agradar parlamentares ou para mostrar sua gratidão por este ou aquele voto.

A julgar pelas investigações da PF, o caso de Juscelino (deputado federal eleito pelo União Brasil do Maranhão) é exemplar, preenche praticamente todas as possibilidades de cambalhotas com o dinheiro público. As artimanhas iriam desde acordo com empreiteira à destinação de recursos para estradas que beneficiam propriedades familiares — pelo visto, a exemplo de tantos outros colegas, ele não pode negar que defende a família, a dele.

A corrupção não é privilégio do Brasil; em qualquer país, a possibilidade de administrar verbas públicas é capaz de gerar e alimentar o desejo de fabricar tenebrosas transações. Mas as características do nosso sistema político facilitam muito o trabalho dos que veem na política apenas uma chance de enriquecimento.

O sistema eleitoral que prioriza pessoas físicas e não partidos, a quase inexistência de siglas programáticas, o semipresidencialismo que faz do Poder Executivo um refém do Legislativo, o rebaixamento do debate político e os muitos tropeços do Judiciário criaram condições ideais para a roubalheira. O ministro Juscelino pode ser inocente, mas o caminho que teria percorrido é uma rota pra lá de conhecida.