Maturidade política real

Por Fernando Molica

Lula e FHC: gesto democrático contra o radicalismo

O encontro do presidente Lula com seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, e a conversa deste com economistas que criaram o Plano Real são sinais de maturidade num país tão desequilibrado.

É significativo que tais reuniões ocorram às vésperas dos 30 anos da implantação do programa econômico — então criticado pelo PT — que fez o que parecia ser impossível, dar um mínimo grau de estabilidade à economia do país.

Quem tem menos de 45 anos não deve ter memória sobre o que representou viver num país que acumulava índices de inflação que disputavam nada desejada medalha de ouro neste quesito. Em 1984, ainda sob o tacão dos militares, a inflação chegou a 211%. 

Os governos civis iniciaram batalhas contra o descontrole de preços que geravam sustos, expectativas, esperanças e decepção. Houve congelamentos de preços, confisco, promessas, sucessão de atos insanos comandados por economistas que, hoje, posam de sabichões.

Em 1986, a inflação, contida pelo populismo inútil do congelamento, chegou a 65,04% (pouco pros padrões da época); no ano seguinte, bateu  415,83% e, em 1988, atingiu 1.037,56%. Em abril de 1990, o aumento de preços acumulado em 12 meses chegou à estratosfera dos 6.821%.

Nossa moeda acumulava zeros e trocava de nomes: Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro de novo, Cruzeiro Real. No dia do pagamento, tínhamos que correr para o supermercado, deixar as compras para depois representaria uma diminuição na quantidade de produtos que seria adquirida.

Bancos criaram mecanismos de correção automática e diária dos valores depositados para tentar segurar o valor daquela moeda volátil. Salários eram reajustados mensalmente, a sucessiva aplicação de zeros à direita fazia com que todos fôssemos nominalmente milionários.

Economistas liderados por André Lara Resende e Pérsio Arida concluíram que a inflação brasileira não se devia apenas a causas clássicas como excesso de moeda na praça, guardava um componente então batizado de "inercial"; ou seja, estávamos todos viciados em inflação, como dependentes químicos, consumíamos a droga hoje pensando na de amanhã. Todos, preventivamente, aumentavam seus preços, da manicure ao fabricante de automóveis. A droga que nos consumia bateria 2.500% em 1993.

Em artigo na revista "piauí" deste mês, Resende detalha a complicada engenharia que permitiu a transição de moedas que incluiu, em 1994, a necessidade de dividir todos os preços por uma moeda virtual, a URV, uma transição para o Real. E deu certo.

Méritos para os economistas, para o presidente Itamar Franco, que bancou a iniciativa, para os ministros da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricúpero e Ciro Gomes. O PT chamou o plano de eleitoreiro, mas seus 30 anos mostram que a iniciativa ia muito além das urnas.

De lá pra cá, o Brasil passou por muitos problemas, mas o Real e medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal geraram parâmetros importantes e discussões que não descabavam para a ofensa e para a agressão.

Como diz Resende na "piauí", a nova moeda não foi suficiente para diminuir o abismo entre o Brasil rico e o miserável. A mesma sociedade que tanto se empenhou para matar o dragão da inflação não demonstra o mesmo ardor para derrotar a desigualdade. Mas o real foi decisivo para que, nos dois primeiros governos Lula, houvesse uma importante, mas ainda tímida, redução da pobreza.

As visitas de ontem marcam a vitória de um projeto sério de estabilização e a possibilidade da retomada de um processo político mais construtivo, menos baseado no ódio. Divergências são essenciais, mas não podem resvalar para uma guerra que tanto prejudica o país.