O presidente Lula (PT) pode reclamar da taxa de juros, tem o direito de criticar o presidente do Banco Central e de lamentar a independência da instituição — mas ele e o país perdem com sua insistência em tocar sempre a mesma nota. Sua obsessão estimula problemas como a contínua alta do dólar e esconde méritos de seu governo, como a queda no desemprego e o crescimento do PIB.
Ao ouvir as repetidas entrevistas de Lula sobre o tema, alguém que desconheça a situação da economia brasileira deve imaginar que o Brasil vive uma situação tão grave quanto a da Argentina.
O presidente exagera também dizer que o mercado financeiro é quem quer a independência do BC. Sim, este ser misterioso que vaga pela Avenida Faria Lima é conservador, ignora questões sociais, tem horror a pobres, considera-se o único dono da verdade — como o VAR no Brasileirão, atua com pesos diferentes, cobra do petista uma rigidez não exigida de Jair Bolsonaro.
O conjunto de interesses resumido na palavra mercado defende a independência do BC, mas esta condição foi aprovada por ampla maioria pelo Congresso, o que reflete uma determinada conjuntura política.
O mesmo Lula que ressalta a necessidade de negociar com a Câmara e o Senado para tentar obter uma maioria negada à esquerda pelo eleitor bate o pé para reclamar de algo que foi decidido de maneira democrática. Ele sabe que, hoje, não teria a menor condição de tentar fazer com que o Congresso volte atrás em sua deliberação.
Não existe neutralidade em nada, muito menos na economia, decisões tomadas neste campo atuam na defesa de interesses. Não há supresa alguma no fato de, num país capitalista, o BC atuar de acordo com princípios compatíveis com uma visão ortodoxa, atrelada aos interesses do tal mercado.
OK que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, volta e meia exagera ao vestir a camisa do mercado. Fez isso literalmente ao aparecer para votar para presidente usando o uniforme da seleção, apropriado pelo bolsonarismo.
Também não escondeu seu lado ao aceitar virar estrela de jantar promovido pelo governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, aliado de Bolsonaro e possível (forte) candidato ao Planalto. A passividade do BC em relação à alta do dólar reforça que Campos Neto também sabe quando, para o seu time, é melhor jogar parado.
Ao se candidar à Presidência, Lula sabia que o BC fora tornado independente e que, em caso de vitória, teria que conviver com Campos Neto até o fim de 2024. Ele também poderia prever que enfrentaria um Congresso mais à direita, empoderado pelas emendas parlamentares de execução obrigatória, menos suscetível aos tradicionais métodos de compra e venda de votos.
O mesmo Centrão que, há mais de 20 anos, deixou-se seduzir por cargos e vantagens, que então descobriu uma insuspeitável afeição por propostas progressistas, hoje não precisa mais fingir. Respaldado por um viés conservador emanado da sociedade, tem autonomia para agir de maneira mais compatível com seus princípios.
Mas Lula, diferentemente do que faz em relação a Campos Neto e ao BC, não fica, dia após dia, reclamando do Arthur Lira, do União Brasil, do Republicanos, do PSD, dos partidos que integram seu governo e que, com frequência, negam no Congresso os votos com que deveriam retribuir a entrega de ministérios, cargos e verbas.
Lula é um político experiente, já passou do tempo de perceber que jogar o tempo todo no ataque contra Campos Neto complica seu meio de campo, abre espaços na sua defesa e faz com que todos acabemos tomando gols desnecessários. O país inteiro é prejudicado com as bolas nas costas que o presidente toma ao insistir no mesmo samba.