Por: Fernando Molica

Incentivo fiscal para bandidos

Número de armas aumentou muito no Brasil | Foto: Reprodução

Ótima notícia para milicianos, traficantes e assaltantes: a Câmara dos Deputados deverá diminuir o imposto sobre armas, o que vai estimular a compra de material muitas vezes desviado para bandidos.

Segundo o Instituto Sou da Paz, entre 2018 e 2023, os CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) informaram ao Exército o desvio de 6 mil de suas armas, número que a organização considera subestimado. No ano passado, a Força cassou o registro de 3.113 CACs. Notícias de jornais sobre armas compradas legalmente e que foram parar nas mãos de quadrilhas ajudam a explicar os fatos.

Ao decidir colocar as armas fora da lista do chamado "imposto do pecado", o grupo de trabalho da Câmara estabelece que esses produtos pagarão a alíquota padrão, estimada em 26,5%: hoje, o ICMS cobrado é de 63% em São Paulo e de 75% no Estado do Rio, percentuais que são altos para desestimular esse comércio.

O Senado chegou a incluir revólveres e pistolas no grupo de produtos e serviços que serão taxados de maneira mais pesada, como cigarros e bebidas alcoólicas e açucaradas, mas uma emenda do PL asfaltou o caminho para sua retirada, viabilizada pela ação da Bancada da Bala.

Ao longo da preparação golpista que culminou com o 8 de Janeiro, Jair Bolsonaro deixou evidente que sua defesa do armas para todos não tinha a ver com segurança pessoal: ele mesmo estava armado quando foi vítima de um assalto, e teve o bom-senso de não reagir.

Na Presidência, repetiu que povo armado jamais seria escravizado, uma instrução para seus simpatizantes. Não é dificíl imaginar como esses grupos armados se comportariam diante de juntas de apuração eleitoral caso a tese do voto impresso tivesse sido vitoriosa.

Não vai ser fácil reincluir as armas na prateleira pecaminosa de onde nunca deveriam ter saído. Já dá para ouvir os discursos inflamados daqueles que, de costas para os fatos, vão insistir que não se pode impedir que o cidadão de bem se defenda diante de bandidos muito bem equipados.

Eles sabem que não é assim, que muitas armas legais vão parar nas mãos de bandidos que também se abastecem de material desviado de polícias e de empresas de segurança (CPI da Assembleia Legislativa do Rio constatou que, entre 2005 e 2015, desapareceram dessas firmas um total de 17.662 armas). Esses produtos exigem mais e mais controles, não a criação de mecanismos que os tornem mais acessíveis e baratos.

O mesmo grupo de deputados que absolveu as armas da penitência tributária não aprovou a isenção tributária para carnes, mesmo para cortes menos nobres. Seria injusto fazer com que toda a população bancasse privilégios tributários para os consumidores de lagosta e dos cortes de primeira (como filé mignon, alcatra, contrafilé, picanha), mas é complicado diminuir impostos de armas e não isentar carnes de consumo mais popular.

Como qualquer instituição de poder, o Congresso Nacional é influenciado pela ação de grupos, o que faz parte do processo democrático. Eleitos pelo voto popular, deputados e senadores sabem que não podem ignorar pressões que chegam das ruas e, mais recentemente, das redes sociais — foi a mobilização de setores da sociedade que barrou o projeto que criminalizava o aborto depois de 22 semanas de gestação mesmo em casos de estupro.

O poder do lobby das montadoras foi decisivo para que os carros elétricos fossem jogados no grupo do pecado, como se apenas eles gerassem problemas ambientais. Agora cabe à sociedade avaliar se topa mesmo incentivar a compra de armas — imposto que não é cobrado de um produto é cobrado de outro. Alíquota maior para pistolas não seria suficiente para bancar o fim de impostos sobre alguns tipos de carnes, mas vale ressaltar o aspecto simbólico dessas decisões.