Pelo que foi aprovado pela Câmara, todos nós, brasileiros, vamos pagar para diminuir em 30% o valor de impostos sobre planos de saúde de animais domésticos. Também vamos subsidiar escolas particulares e assistência médica privada para humanos.
Mais de 80% dos alunos que cursam até o ensino médio estudam na rede pública, mas seus pais também vão ajudar a bancar a redução de 60% nos futuros impostos das instituições de ensino privado.
Os 75% dos brasileiros que dependem do SUS vão ter que pagar mais impostos para financiar o atendimento médico de quem pode recorrer à rede particular: 27 serviços, entre eles, cirurgias e atendimento em UTIs terão também abatimento de 60% nos tributos.
Empresas que oferecem planos de saúde para seus funcionários poderão descontar o valor dos impostos no pagamento de outras taxas.
Quem é ateu ou não dá muita bola para o exercício da fé também vai ter que cumprir uma penitência tributária, um dízimo compulsório: entidades religiosas e templos de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes ficarão livres de impostos.
Não tem jeito, o imposto que não é pago por A acaba indo pra conta de todo o alfabeto. Num país de orçamento tão amarrado com despesas obrigatórias, governos têm que arrecadar um determinado valor — com isso, cada isenção aprovada contribui para aumentar a alíquota de todos.
E aí, governos e políticos tendem a mandar às favas os escrúpulos ligados a alguma perspectiva de justiça social. As benesses quase sempre são obtidas por grupos mais poderosos e organizados, sempre foi assim por aqui. A isenção tributária da carne bovina — até filé mingnon e picanha entraram no pacote — passou, principalmente, pela pressão da bancada ruralista.
Só o lobby e a velha tradição brasileira de privilegiar os privilegiados explica o porquê de a prestação de serviços por integrantes de 18 categorias profissionais — entre elas, advogados, professores de educação física e engenheiros — passar a ser subsidiada por toda a sociedade. Os escolhidos vão pagar 30% a menos de imposto.
Pra se ter ideia da distorção: numa mesma empreitada, o mestre de obras, o servente e o pintor pagarão um percentual maior de tributos que o engenheiro e o arquiteto.
Sim, os planos de saúde — para gente e para bicho —, as creches, as escolas, as consultas médicas e os serviços hospitalares estão caríssimos, a maioria da classe média não tem como bancar essas despesas.
O problema é dividir essa conta com famílias que nunca tiveram carteirinha de plano de saúde e só entram em escolas e hospitais privados para fazer obras ou cuidar da limpeza. Vale frisar que o Brasil oferece o que talvez seja o maior plano de saúde público do mundo (o SUS) e educação também gratuita (apesar do gargalo no ensino universitário).
Ah, mas os hospitais e as escolas públicas, com as exceções de praxe, não assim são tão bons, pagamos muitos impostos e não temos serviços correspondentes — pois é, só que isso vale para todos nós. Não é razoável que, além de serem privados de educação e de serviços de saúde de melhor qualidade, pobres tenham que pagar mais impostos para subsidiar quem ganha mais.
Isso é ainda mais gritante num país em que o consumo é muito mais tributado que a renda (e isso não será mudado pela reforma): ao comprar uma caneta, um refrigerante ou um celular, o pobre paga o mesmo imposto de quem tem muito mais grana que ele.
A mudança é importante, desfaz um pouco do insano sistema tributário do país. Mas alterações reafirmam a permanência de uma tradição nacional, a de tirar dos pobres para repassar para os ricos — até cachorrinho de madame deu sua mordidinha.