Uma semana de férias em Buenos Aires ressalta que o Brasil e seus diferentes governos, das mais variadas tendências, erram muito no combate ao crime. Nesse jogo, falham a direita, com sua previsível e sempre renovada apologia à violência policial, e a esquerda, incapaz de implementar políticas públicas a partir de análises mais elaboradas do problema.
A segurança pública é tema de todas as campanhas eleitorais, mas, ao longo de décadas, governadores — responsáveis direitos pelo controle da criminalidade — e presidentes colaboraram, com omissões e ações, para o fortalecimento de organizações ilegais que chegam ao ponto de dominar partes do território nacional.
Muitas vezes é necessário nos afastarmos um pouco de uma realidade para que possamos vê-la melhor. Seria injusto comparar grandes cidades brasileiras com europeias, não dá pra botar lado a lado índices de criminalidade do Rio e de Estocolmo. Mas não é absurdo falar de Buenos Aires, capital da Argentina, aqui pertinho, na América do Sul. Fica num país que há muitos anos passa por uma crise permanente, onde metade da população vive na pobreza.
Por lá há quadrilhas organizadas e casos de sequestros, a situação na cidade de Rosário é bem delicada. Mas o índice de homicídios na Argentina é de 4,31 por cem mil habitantes — no Brasil, fica em torno de 20 por cem mil. A grosso modo, um brasileiro tem quase cinco vezes mais chances de ser assassinado que um Argentino.
Em Buenos Aires, é possível caminhar com tranquilidade mesmo à noite, é muito pequeno o risco de alguém ter uma arma apontada para sua cara. Há muitos policiais, que costumam andar em dupla, mas seria primário dizer que só a presença desses agentes é que garante segurança, até porque não é possível ter um guarda a cada esquina.
A posse de armas é um dos pontos fundamentais: não há cidade, principalmente turística, que não seja povoada de ladrões e punguistas (não é mesmo, Zico?). Mas não é normal nem razoável que esses bandidos andem armados como os que circulam por aqui.
Não se trata de um caso ou de outro, tornou-se comum entre nós que traficantes e assaltantes tenham acesso a armas como pistolas e fuzis, que consigam manter um grande e regular fluxo de munição, algo que exige uma logística sofisticada. Como é que esses caras conseguem tantas armas e tantas balas? Como é que esse material consegue chegar às mãos de pessoas que, muitas vezes, vivem entocadas em áreas que ficam dentro das cidades, muito longe de fronteiras?
Tráfico de drogas existe em quase todos os países — em alguns, apenas a posse de drogas é descriminalizada, não sua venda. Mas a existência de territórios dominados por quadrilhas, principalmente em áreas urbanas, em grandes cidades, não é algo comum no mundo. Também não é usual que bandos ignorem o Estado e imponham as próprias leis a tantas populações.
Não pode ser normal que as principais rotas de acesso a um dos maiores aeroportos do país possam ser fechadas por quadrilhas. A existência de tantos bandidos armados com CEP só é possível graças à tolerância e à parceria com agentes do Estado, e não apenas com os da polícia. Sem cumplicidade, armas e munição não chegariam lá.
Segurança pública é algo importante demais para ser entregue apenas à polícia que, de um modo geral, é acionada quando tudo praticamente já falhou: educação, saúde, trabalho, habitação, transporte; quando parte da população perde a esperança de ter dias melhores e parte por tudo ou nada.
Não é fácil equacionar um problemão desses, que envolve tantos fatores. Mas seria bom começarmos a desnaturalizar alguns absurdos. Combater o tráfico de armas e de munição já seria um bom começo.