Os novos jovens octogenários
O rock, com todas as suas variações, é música jovem, independentemente da idade dos artistas e do público. Revolucionou o conceito — que, na época, nem deveria existir com esse nome — de etarismo.
A chegada de tantos ídolos pop à casa dos 80 anos parece mais erro de conta do que uma verdade histórica. A lista (ainda bem) é longa: Chico Buarque, 80; Caetano Veloso, 81; Gilberto Gil, 82; Ney Matogrosso, 82; Paul McCartney, 82; Mick Jagger e, veja só, Keith Richards, 80. Alguém aí consegue acreditar que alguns deles são mais velhos que o Joe Biden?
O mais incrível é que, entre eles, há aqueles que, digamos, ao longo da vida, não exercitaram uma certa moderação em suas rotinas. Foram jovens num período em que o mundo não estava exatamente de cabeça pra baixo (até porque nunca esteve no prumo), mas que Chacoalhava em busca de possibilidades menos convencionais.
Esse tal de rock and roll é, palpito, o grande culpado da transformação. Não foi apenas trilha sonora das mudanças que questionaram valores relacionados à família, ao Estado, à propriedade, ao sexo, às drogas. A revolução que provocou e encarnou incluía uma espécie de pacto com a juventude, pelo menos, uma negação da velhice do jeito que estava consolidada.
O rock, com todas as suas variações, é música jovem, independentemente da idade dos artistas e do público. Revolucionou o conceito — que, na época, nem deveria existir com esse nome — de etarismo. Não podem ser velhos aqueles sujeitos que tocam, cantam e dançam daquele jeito, no palco e na plateia. Quando veio a primeira vez ao ao Brasil, Frank Sinatra tinha 64 anos — era bem mais velho que Jagger de hoje, concorda? Não dá pra chamar de ancião o vocalista do Rolling Stones.
Até pela reverência que fazem ao passado, certas expressões musicais não transmitem esse ar juvenil, é o caso do samba, choro, bolero e jazz. Em alguns casos isso pode estar relacionado à sofisticação dos acordes — algo muitas vezes inacessível a adolescentes ainda cheios de espinhas —, mas o fator comportamento é fundamental.
Paulinho da Viola, 81, costuma dizer que não vive no passado, o passado é que vive nele. Sua música, como a de outros grandes sambistas, recupera e reelabora o que foi ouvido na infância, trabalha mais com a lógica da evolução com a da ruptura (Paulinho contou várias vezes do susto que tomou quando soube que a plateia do filme "Rock Around the Clock" costumava dançar sobre as cadeiras, a quebrar cinemas. Nada disso era compatível com o que ele entendia por música).
O pacto com a juventude que ecoava das guitarras e dos gritos dos cantores seduziu até mesmo músicos de outros ritmos. Artistas perceberam a possibilidade de uma espécie de renovação permanente, de que era possível construir museus de grandes novidades, que eles não precisariam ficar num determinado quadrado que, dali a pouco, seria chamado de nostálgico.
Há algumas décadas, trintões eram vetustos senhoras e senhores; há algum tempo que são jovens, que, dançando, empurram essa juventude para as décadas seguintes, e não deixam de dialogar com o presente.