Por: Fernando Molica

O início da despedida do Rei

Equipe do Rei diz que renovação está sendo negociada | Foto: Caio Girardi/Divulgação

Depois de Milton Nascimento, Gilberto Gil e, aparentemente, Caetano Veloso, parece que é a vez de Roberto Carlos, 83, dar início ao ciclo de encerramento de sua carreira. De acordo com notícias, será uma aposentadoria parcial e compulsória, restrita ao fim de seu programa anual na Globo. Pelo que li, RC não gostou nada da ideia e quer continuar a disputar com o Papai Noel o título de atração mais provável e esperada do Natal.

Súdito do Rei, torço para que ele vença a peleja contra os republicanos globais. Mas, ao mesmo tempo, sei que talvez seja a hora de ele repensar se vale a pena mesmo manter um programa que, convenhamos, há muito tempo deixou de fazer jus àquele que, ao longo de décadas, foi o melhor tradutor de nossas qualidades e limitações.

O tempo, sempre ele. Uma pesquisa da Quaest mostrou que o Rei, hoje, é conhecido por apenas 76% dos brasileiros, contra 98% que sabem quem é Anitta (Ivete Sangalo, Gusttavo Lima e Zeca Pagodinho ficaram entre  96% e 97%). 

Ao longo de mais de 60 anos, ele se adaptou ao público, às correntes musicais e à própria idade. O cantor inspirado em João Gilberto - fonte maior do seu jeito de interpretar - deu lugar ao cabeludo rebelde que mandou tudo pro inferno que, por sua vez, conviveu com o intérprete de blues e souls. 

Da parceria com Erasmo Carlos surgiram "As curvas da estrada de Santos", "De tanto amor", "Sua estupidez" e, a maior de todas, "Detalhes". Músicas carregadas de um lirismo simples, com cheiro de rua, que surpreende com versos como aquele em que o narrador admite os erros do seu português ruim (dá pra imaginar o cara falando isso meio envergonhado, olhando para o chão).

Depois, embolerou de vez, vieram as mulheres pequenas, míopes, gordinhas'RC pegou carona tardia no processo de democratização com "Verde e amarelo", ficou meio sem rumo, deu uma derrapada que chegou a abalar sua trajetória.

O drama da doença e morte de sua mulher, Maria Rita, reforçou como era grande nosso amor por RC e suas canções; ele saiu daquela viagem às profundezas já reconhecido como um clássico de nossa cultura. Tabelinhas com Tom Jobim e Caetano Veloso, a participação no "Acústico" da MTV e a regravação de suas canções por ídolos de sua e de novas gerações o recolocaram no pódio.

Não adianta nem tentar negar, o cara é digno do impublicável adjetivo com que a torcida do Botafogo brinda o artilheiro Tiquinho Soares. Um dos momentos mais comemorados e aplaudidos do show Caetano & Bethânia é quando ela canta "As canções que você fez pra mim" — é bonito demais ver o entusiasmo e a emoção da plateia de diferentes gerações.

Enfim, meu rei, você é que saberá o momento de parar. Como tantos fãs, acho que você poderia aproveitar a sua ainda bela voz para apresentar e cantar alguns clássicos, seus e de outros grandes compositores. Mas, claro, bicho, a decisão é sua — seu reinado sempre foi absolutista.