Por: Fernando Molica

Terror na Vila reflete o caos

A fuzilaria, domingo, numa praça lotada de Vila Isabel, Zona Norte do Rio, não é fruto de disputa entre os comandos X e o Y, a história de que os atiradores queriam matar o traficante Z. A causa do ataque de características terroristas é a interminável crise na segurança pública, estimulada pela insistência nas supostas soluções de sempre, e que nunca deram certo.  

O atentado à Praça Barão de Drumond (Praça 7, como preferem os moradores) remete ao assassinato de três médicos, no ano passado, quando milicianos abriram fogo contra pessoas que estavam num quiosque na Barra da Tijuca, Zona Oeste. São dois exemplos de uma situação que se apresenta descontrolada há décadas: não é razoável considerar normal que partes do território nacional sejam dominadas por bandos armados. 

Tráfico de drogas existe no mundo todo, mas o que ocorre no Brasil, em particular no Estado do Rio, é diferente: a ligação desse de crime ao controle territorial. Algo que só é possível pela conivência e/ou associação de agentes do poder público, não apenas policiais. Não é admissível também que a sociedade aceite que milhares de jovens e crianças continuem a ser seduzidos por um poder paralelo que acena com perspectivas negadas por um país que teima em insistir na exclusão.

A experiência das UPPs, que acabou solapada por interesses políticos imediatos, revelou o óbvio: o Estado, quando quer, é capaz de retomar o controle de qualquer área. O problema é que a criminalidade é lucrativa, para os que dela participam e para tantos que, aos berros, dizem combatê-la, arremessam palavras e colhem votos.

O que houve domingo foi mais um sintoma do processo de ocupação de áreas da cidade por quadrilhas muito bem armadas, um poder que, aos poucos, ocupa mais e mais espaços, até pela desvalorização dos imóveis nas vizinhanças. Ficam as questões de sempre: como tantas armas de guerra chegam a áreas que ficam dentro das grandes cidades? Como bandidos recebem cargas intermináveis de munição?

Como que a força do policial do Estado brasileiro — aí incluídas polícias estaduais e federais — não consegue descobrir e interromper a logística que viabiliza esses fluxos? Essas favelas que, particulamente no Rio, servem de base para tantas quadrilhas, não ficam em regiões de fronteiras, estão aqui ao lado, pertinho.

As imagens de estojos de munição largados na praça na manhã de ontem demonstram o desleixo com a busca de provas sobre a origem dos projetéis, algo que deveria ser básico numa investigação. Isso revela a inexistência de uma cultura destinada a apurar a origem de armas e munição encontradas por bandidos.

Nem sempre é fácil: o lobby de fabricantes e vendedores de armamentos impede que projetéis vendidos a civis também tenham que ser númerados (a identificação é obrigatória apenas para material entregue a forças públicas de segurança). Mesmo neste casos, a númeração é deficiente, cada lote pode ter até dez mil unidades de munições.

Durante seu mandato, Jair Bolsonaro liberou ainda mais a quantidade de armas e cartuchos que poderiam ser compradas — medida parcialmente revogada no governo Lula — e ainda permitiu o uso, por civis, de máquinas de recarga de munições, há modelos disponíveis na internet a partir de R$ 900,00. Não há como identificar a origem das balas assim produzidas.

A chacina de Vila Isabel, que causou cinco mortos e dois feridos, reforça, mais uma vez, a inutilidade de operações que, como as realizadas ontem, geram apenas mortes e interrupção do funcionamento de escolas e de postos de saúde. O site do Ministério Público do Rio registra que, desde 2020, foram feitas 47 operações policiais nos dois morros  — Macacos e São João — onde ficam baseadas as quadrilhas envolvidas no massacre de domingo.