Por: Fernando Molica

Topam tudo por emendas

Ministros do STF discutem emendas parlamentares com representantes do Congresso e do governo. | Foto: Henrique Raynal/Casa Civil

Ao brigarem pelo controle das emendas parlamentares, o presidente Lula (PT) e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disputam o direito de, tal e qual Silvio Santos, gritarem para seus colegas de trabalho: "Quem quer dinheiro?"

Ao votar em ações que questionam aspectos de tais emendas, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, foi no ponto: disse que a imposição, no orçamento, de despesas bilionárias e obrigatórias definidas por deputados e senadores representa uma invasão do Legislativo sobre poderes do Executivo.

As fragilidades dos presidentes Dilma Rousseff (PT) e Jair Bolsonaro (PL) fizeram com que ambos entregassem chaves dos cofres públicos para parlamentares; suas emendas individuais e de bancadas passaram a ter execução obrigatória. Pressionada pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Dilma fez as concessões, mas mesmo assim perdeu o mandato.

Sem muita disposição para a rotina de governo, Bolsonaro entregou de vez o poder para Arthur Lira (PP-AL). Comandante em chefe do Centrão e fortalecido pela distribuição de verbas, Lira transformou de vez o cargo de presidente da Câmara em de presidente de um sindicato de deputados. Sua principal missão é garantir o bem-estar dos colegas.

Uma prática que complica o planejamento do governo federal, já que o dinheiro é pulverizado de maneira desorganizada, e facilita desvios, como o direcionamento dos responsáveis pela execução dos trabalhos. A dispersão de recursos dificulda a fiscalização por parte de tribunais de contas e ministério público.

Ao tratar do tema numa entrevista, Lula fez uma crítica mais ampla das emendas obrigatórias — chegou a falar em "sequestro" do orçamento pelo Congresso —, ressaltou a falta de critério na aplicação do dinheiro e cometeu um sincericídio ao revelar o que lhe aperta mais o calo: a obrigatoridade de execução de boa parte das emendas retira do governo o direito de negociar a liberação do dinheiro em troca de votos na Câmara e no Senado.

Frisou que, graças às emendas impositivas, parlamentares da oposição recebem o mesmo que os da situação: "Se passar o dia inteiro me xingando, recebe do mesmo jeito", lamentou. Ou seja, um dos grandes problemas é que o mecanismo diminuiu o mercado de compra e venda de votos.

Independentemente do resultado da peleja, outra que acaba sendo arbitrada pelo STF, nós, eleitores e cidadãos, podemos ter a certeza de que critérios oportunistas continuarão a determinar o destino de tanto dinheiro. O que menos importa é a obra ou serviço que receberá a grana de tal emenda, mas quem vai liberar o dinheiro e quem vai rececê-lo — a reunião ontem no STF revela que o carimbo deve continuar com o Legislativo.

Na raiz dessa distorção está um sistema político que, ao utilizar a lista aberta em eleições proporcionais, faz de cada parlamentar uma espécie de partido do eu sozinho. Apesar de um viés conservador, pelo menos metade dos deputados não é de direita ou de esquerda, não tem compromissos com teses de um lado ou de outro. Eles estão lá para defenderem seus interesses e/ou de determinados grupos, e costumam aceitar trocar votos por vantagens.

Ao perder o direito de definir que emendas seriam executadas, o governo ficou sem seu principal instrumento no Congresso. A recuperação de parte dessa prerrogativa seria importante para restaurar uma função institucional dos poderes e garantir alguma unidade nas ações do Executivo. Mas, sem partidos que tenham um mínimo de compromisso ideológico, a farra do cada um por si e o orçamento por todos será mantida. O aviãozinho das emendas vai continuar a decolar dos plenários.