Por: Fernando Molica

O Brasil está viciado em bets

Apostas Bets | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Não apenas apostadores se viciaram nas bets. Uma boa parte da economia nacional — aí incluídos times de futebol, agências de publicidade e veículos de comunicação — demonstra adicção a uma droga cruel, capaz de destruir vidas e patrimônio, e que gera muitos lucros.

Isso, num país cuja maioria da população recusa discriminalizar outras drogas, que evitou encarar de frente a discussão sobre legalização dos cassinos, que exalta valores cristãos em defesa da sobriedade e da família.

Não se trata de proibir algo impossível de controlar. Não há como impedir que pessoas usem a internet para ter acesso a um interminável cardápio de jogos. Seria também autoritário impedir que adultos façam o que bem entendam com seu dinheiro.

A regulamentação das bets, com estabelecimento de controles sobre o mecanismo de apostas, exigência de sedes no país e cobrança de impostos, disciplinou minimamente a atividade.

O problema foi a não criação de regras que limitassem ou mesmo impedissem a publicidade das bets. Sobre as casas de apostas deveria haver uma restrição tão forte quanto a que, lá se vão alguns anos, foi determinada para cigarros.

No país há também restrições para a publicidade de bebidas alcóolicas (anúncios não podem mostrar pessoas bebendo cerveja, por exemplo), de remédios e de produtos voltados para crianças. As bets, porém, têm direito de mostrar suas marcas e suas supostas vantagens na televisão, rádio, estádios, camisas de times.

A lei que regulamenta a atividade e uma portaria do Ministério da Fazenda impuseram algumas normas à propaganda dessas empresas, mas que nem de longe afetam o poder de sedução dos anúncios.  Regras mais rígidas, que chegaram a ser incluídas pela Câmara dos Deputados, acabaram limadas da versão final do projeto.

Atletas, ex-atletas, artistas, comunicadores, pessoas que conquistaram credibilidade no exercício de suas profissões, são contratados para ressaltar as supostas qualidades de um produto que, por suas características, deveria ser equipado a uma droga.

Os criadores desse tipo de publicidade evitam falar em aposta. Usam verbos como "profetizar", algo que remete a uma eventual capacidade do apostador de, graças aos seus conhecimentos, ser capaz de antecipar resultados de partidas. Tentam transformar a vítima num sabichão.

Ao tratar da publicidade das bets em sua coluna na Folha de S.Paulo,  o jornalista Hélio Schwartsman ressaltou defender a  legalização das drogas, mas que não gostaria de ver comerciais de cocaína no horário nobre da TV. É por aí.

Adultos deveriam poder escolher que fazer de suas vidas, desde que não prejudicassem terceiros, mas não é razoável que práticas que fazem mal à saúde ou que são capazes de gerar adicção sejam propagandeadas (os mais velhos lembram de comerciais que associavam o fumo ao bom desempenho de atividades físicas radicais).

Pesquisa do Itaú estimou que os gastos das bets em publicidade no país estão entre R$ 5,8 bilhões e R$ 8 bilhões. Só no patrocínio de 14 dos 20 clubes da primeira divisão do Brasileirão, essas empresas investem R$ 560 milhões.

As cifras são muito altas e sedutoras, mas não justificam o estímulo a uma atividade socialmente danosa, que gera impactos negativos na saúde pública e na vida de tantos brasileiros, especialmente dos mais pobres — diversos levantamentos mostram que os apostadores estão, principalmente, entre pessoas de classes C, D e E.

O vício que destrói a vida de tanta gente não pode ser alimentado pela mesma estrutura que era viciada no dinheiro fácil da indústria do cigarro. As bets geram uma fumaça igualmente tóxica.