Por: Fernando Molica

Armar guardas é um erro

Integrante da Guarda Municipal do Rio | Foto: Reprodução/Redes sociais

Tema da campanha eleitoral carioca, o eventual uso de armas pela Guarda Municipal vai, entre outros problemas, gerar: 1. mortes de guardas por bandidos; 2. risco de cooptação desses servidores por organizações criminosas; 3. confusão institucional entre a corporação e a Polícia Militar.

Qualquer policial sabe que pode ser assassinado pelo simples fato de ser policial (há duas semanas, um agente federal foi morto no Rio quando assaltantes descobriram sua profissão). Ao ganharem armas, os guardas municipais vão virar alvo de bandidos.

Vale lembrar que, ao ser criada, a GM carioca usava farda azul, semelhante à da PM fluminense, o que gerou riscos para os guardas: a prefeitura teve então o cuidado de adotar a cor cáqui.

Usar farda e portar arma legalizada valoriza o passe de qualquer funcionário público aos olhos de quadrilhas. Não por acaso, as milícias hoje espalhadas pelo Estado do Rio começaram a se organizar dentro de organizações policiais. O porte de armas foi a senha para que bombeiros militares acabassem também sendo cooptados por organizações criminosas; não é difícil imaginar o que vai acontecer com guardas municipais.

A existência de uma polícia militar e de uma judiciária (a civil) já causa diversos problemas. Há rivalidades, dúvidas sobre tarefas e competências, dificuldades para se buscar unidade. Não faz muito tempo, no Distrito Federal, havia até mesmo uma divisão de viés político-partidário entre as duas corporações.

Armar a GM significa criar uma rivalidade com a Polícia Militar. Assim como os PMs, os guardas atuam na rua, de maneira ostensiva e preventiva. Como cada corporação tem um comando diferente — e estão subordinadas a entes federados diversos, estado e município — dá para prever o tamanho da confusão. A PM responde ao governador; a GM, ao prefeito: e se os dois forem adversários políticos? Quem vai coordenar as ações de tropas armadas, principalmente em casos emergenciais, que exijam um mínimo de organização? 

Aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a lei que autorizou o uso de armas por parte de guardas municipais sequer deveria ser considerada constitucional. A Constituição é clara ao definir o papel dessas corporações, não as lista entre os órgãos encarregados da segurança pública e diz que cabe a elas protegerem "bens, serviços e instalações" dos municípios "conforme dispuser a lei".

A lei que regulamentou as guardas municipais, porém, atropelou a Constituição ao ampliar suas funções para além do que havia sido definido. Elas ganharam o direito de  "colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social", de "colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas"; de "auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignatários". 

A lei afirma também que a guarda municipal poderá "colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos". Uma outra lei, assinada em 2018 por Michel Temer, incluiu as guardas municipais no Sistema Único de Segurança Pública.

Não custa repetir que não há soluções simples para a segurança pública, algo que não se restringe à ação policial, que depende de uma série de outras atitudes de governos e da sociedade. É compreensível que, assustada, a população busque saídas simples e aparentemente óbvias, como o armamento de guardas municipais. O problema é que essa alternativa tende a piorar a situação, a torná-la mais complicada; a piorar a vida do cidadão.