Por: Fernando Molica

Paulistano indica rejeitar o muro

Prefeito quer evitar nacionalização da disputa | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Ainda é  cedo para cravar o que vai acontecer na eleição paulistana, mas nessa altura da disputa parece evidente que o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, errou ao achar que poderia emplacar a imagem do síndico e escapar da polarização brasileira. Casos como os de João Campos, em Recife, e de Eduardo Paes, no Rio, são exceções num país que se viciou na divisão.

Em 2018, Jair Bolsonaro fez, no segundo turno, o inverso do que é apregoado por marqueteiros: ao invés de moderar o discurso em busca de um eleitor menos radical, pisou ainda mais fundo no acelerador do ódio, e venceu a eleição. Em 2022, a disputa presidencial foi tão acirrada que o primeiro turno antecipou o segundo, os demais candidatos sequer foram considerados pela grande maioria do eleitorado.

O petismo/antipetismo e o bolsonarismo/antibolsonarismo são tão fortes que, mesmo em Porto Alegre (RS) — outrora fonte da legitimação do partido de Lula como alternativa para a administração pública —, o atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), aparece à frente de de Maria do Rosário (PT), ainda que num empate técnico.

Nem mesmo a indigente atuação da prefeitura na prevenção das recentes inundações tem sido suficiente para afogar a possibilidade de reeleição de Melo: por lá, o antipetismo é forte até debaixo d'água.

Em São Paulo, Nunes e caciques de diferentes partidos que o apóiam acharam que a rejeição do então principal adversário, Guilherme Boulos (Psol) seria suficiente para assegurar a vitória do grupo que manda na prefeitura. Confiaram mais nos problemas do outro do que nas próprias qualidades.

Não seria necessário, portanto, recorrer ao bolsonarismo-raiz, acharam ser possível moderar o que, por definição, é imoderável. O MDB e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, conseguiram passar a boiada na candidatura do ex-ministro Ricardo Salles e abriram caminho para Nunes e seu bolsonarismo que não ousava dizer o próprio nome.

Não contavam com um adversário capaz de vender geladeiras quebradas para esquimós e que há tempos seduz seguidores com picaretagens do tipo "Os sete ciclos da vida", "Eleve a frequência do seu cérebro", "Sementes da riqueza: plantando para colher resultados".

Preocupado com a rejeição a Bolsonaro, Nunes o escondeu, o que irritou o ex-presidente. Pablo Marçal percebeu a oportunidade, captou, incorporou e reciclou o sentimento bolsonarista: adicionou à raiva que caracteriza o movimento uma fórmula de viés religioso que pega carona na Teologia da Prosperidade para conduzir o eleitor a um suposto progresso pessoal.

Não se tratava mais de bater no petismo apenas para derrotá-lo, mas de transformar o ódio em energia que iria catapultar o eleitor em direção da riqueza. É como se prometesse o milagre da multiplicação de colares, diamantes, relógios Rolex, Patek Philippe e Chopard.

O eleitor bolsonarista reconhece em Marçal o espírito de seu líder, que se inspira do ex-capitão até mesmo para lançar ofensas e mentiras com o objetivo de ocupar espaço nas ruas e na internet. Em 1999, muito antes do fenômeno das redes sociais,  numa entrevista a Jô Soares, Bolsonaro afirmou que não teria sido chamado pelo programa se não tivesse proposto o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso.

Uma derrota de Nunes para Marçal por vaga no segundo turno reforçará a tendência de radicalização, de rejeição de uma política ancorada no clientelismo, nos acordos de cúpula e que procura fugir de definições ideológicas. Ao encarnar a extrema direita, Bolsonaro estabeleceu um marco que indica ser independente até do bolsonarismo. O embate com a esquerda poderia até gerar um saudável confronto de visões de mundo, mas o exemplo de Marçal não aponta para qualquer esperança.