Fraude eleitoral é grave, Lula

O governo brasileiro de plantão pode gostar ou não do regime chavista que há 25 anos manda e desmanda na Venezuela, mas não tem o direito de dizer que o país vizinho é uma democracia.

Por Fernando Molica

Nicolás Maduro foi reeleito em votação muito polêmica.

Lula acerta ao cobrar do governo venezuelano documentos que comprovem a anunciada vitória de Nicolás Maduro, mas erra ao dizer que não houve "nada de grave" por lá.Este diagnóstico só poderá ser dado depois da checagem das atas. Eventual fraude na contagem de votos representará algo muito grave e assustador (para usar outra palavra dita pelo petista).

No universo diplomático, é sempre complicado um governo dar palpite em questões internas de outros países. O Brasil, como o Itamaraty cansa de repetir, adota a antiga prática de não interferir nesses assuntos. Mas é inevitável e necessário marcar algumas posições, principalmente em temas que dizem respeito à democracia e aos direitos humanos: o sofrimento de um brasileiro alvo de perseguição ou de tortura não é maior que o de um venezuelano, chinês ou saudita.

O respeito à soberania de um país não pode servir de desculpa para a mentira. Um governo brasileiro pode gostar ou não do regime chavista que há 25 anos manda e desmanda na Venezuela, mas não tem o direito de dizer que o país vizinho é uma democracia. O relatório apresentado em 2019 por Michelle Bachelet, então chefe de direitos humanos da ONU, relata graves violações na Venezuela.

Ex-presidente do Chile, eleita pelo Partido Socialista,  Bachelet relatou casos de detenções arbitrárias, maus-tratos e tortura, violência sexual e de gênero nas prisões e o que classificou de uso excessivo da força na repressão a manifestações. As pedaladas cometidas por Maduro para prejudicar a participação da oposição nas eleições reafirmaram o caráter ditatorial do governo. E isso independe de ele ser ou não de esquerda.

Ditaduras são ditaduras, ponto. Isso vale para a que houve no Brasil, Chile e Argentina; para as que há em Cuba, China, Nicarágua, Afeganistão, Catar, para a Arábia Saudita, esta comandanda pelos fornecedores de joias do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Não cabe, a menos em casos excepcionalíssimos, como no caso do nazismo, países interferirem em outros. Os Estados Unidos adoram descer o grande porrete em outras nações supostamente em nome da democracia — quase sempre o fizeram por outros, inconfessáveis e terríveis motivos.

A hipocrisia e os interesses políticos e econômicos costumam regular a aceitação ou a condenação de determinado regime ou governo. As cotoveladas disparadas pelos EUA na direção da China não costumam incluir reprimendas à falta de democracia por lá. Nem de longe os americanos ousariam impor ao gigante asiático um tipo de bloqueio praticado contra os cubanos. 

Sim, como disse a Casa Branca, há sinais claros de que o resultado oficial da eleição venezuelana não reflete a vontade popular, assim como ocorreu nos EUA em 2000, quando George W. Bush levou na mão grande a eleição e derrotou Al Gore graças à cédula usada por eleitores na Flórida. 

O democrata reclamou e a Suprema Corte decidiu que não haveria recontagem. Imaginemos a confusão se, agora, o Judiciário venezuelano, dominado pelos chavistas, decidir proibir a apresentação das tais atas — pode até alegar que se baseou no exemplo americano.

Ninguém está pedindo pro Brasil invadir a Venezuela, para o nosso governo cortar relações diplomáticas com Caracas; O que vale para China e Arábia Saudita tem que ser mantido para o vizinho. Mas não dá para o presidente Lula diminuir o tamanho do problema.

Como costuma ressaltar, ele e muitos de seus aliados foram vítimas da ditadura brasileira, pesos e medidas diferentes não podem ser adotados na hora de definir regimes que, não importa se de direita ou de esquerda, violam direitos e oprimem seus cidadãos. A tolerância com o autoritarismo alheio pode, no futuro, fazer vítimas em nossa própria casa.