Maduro e as fardas premiadas

Outra questão importante é que os militares venezuelanos tendem a passar de devedores a credores do chavismo.

Por Fernando Molica

Maduro manteve cargos e vantagens de militares.

A presença maciça de militares no primeiro escalão do governo da Venezuela ajuda a explicar o apoio que Nicolás Maduro tem dos fardados. Dos 37 integrantes do Conselho de Ministros — órgão que tem o presidente como um de seus membros —, 16 são militares, dois continuam na ativa.

Como em geral ocorre, o respaldo dos quartéis a uma ditadura se dá muito menos por ideologia do que por interesse; o fato de usarem uniforme não tira desses homens e mulheres a condição de seres humanos.

Assim como os chavistas, Jair Bolsonaro sabia muito bem disso, tanto que distribuiu ministérios a militares, nove deles foram agraciados com ministérios.

Mas voltemos à Venezuela. Por lá, são controlados por fardados ministérios do Poder Popular (todos são chamados assim) que cuidam de setores como, entre outros, transportes, obras públicas, águas, energia elétrica, alimentação, habitação, e, claro, petróleo. 

Esta pequena lista demonstra que são pastas que lidam com muito dinheiro, que mexem com contratos vultosos. São como a diretoria da Petrobras exigida pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, para seu partido. Queria uma que furasse poços e achasse petróleo — militares venezuelanos não podem reclamar de seus cargos.

Hugo Chávez e seu sucessor, Maduro, também distribuíram estrelas entre os oficiais: por lá há cerca de 1,3 mil oficiais-generais na ativa (no Brasil, nas três forças, são 350). Ex-militar, Chávez sabia como seduzir e controlar esses servidores públicos que, ainda mais por lá do que por aqui, tanto se meteram na vida política.

O dispositivo militar do chavismo complica muito a possibilidade de uma pressão para que Maduro seja forçado a reconhecer a provável derrota eleitoral que sofreu. Mas isso não significa a impossibilidade de mudanças. Como ocorreu em tantos outros países do continente, há contextos históricos que superam a força das armas e os próprios fardados tratam de largar o osso.

Outra questão importante é que os militares venezuelanos tendem a passar de devedores a credores do chavismo. Sem uma comprovação cabal de que foi mesmo o vitorioso no pleito, Maduro ficará reféns dos quartéis, que passarão a ser a única fonte de seu poder.

A repressão a opositores, a constatação de uma fraude cada vez mais evidente — a resistência em apresentar os mapas eleitorais indica isso — enfraquece ainda mais o governo e escancara de vez o caráter ditatorial do regime.

Não é razoável nem previsível que algum país invada a Venezuela para depor Maduro, mas o aumento das pressões políticas e das sanções comerciais deverá diminuir ainda mais a qualidade de vida na Venezuela e aumentar a insatisfação da população.

Militares podem muito, mas não têm o poder de segurar a história. No Brasil, até conseguiram controlar o processo de abertura e escapar de julgamentos e punições pelos crimes cometidos durante a ditadura, mas os exemplos argentino e uruguaio mostram que nem sempre é assim.

Já enfraquecido, o general Leopoldo Galtieri, o então ditador argentino, tentou uma saída desesperada para salvar o governo e o regime, e, em 1982, invadiu as Ilhas Malvinas. Num primeiro momento, boa parte de seus conterrâneos apoiou a medida, mas, na Praça de Maio, diante da Casa Rosada, manifestantes gritaram para que ele prestasse atenção: "As Malvinas são argentinas, mas o povo é de Perón", referência ao ex-presidente Juan Domingo Perón, que estava morto desde 1974.

A história recente da Venezuela tem poucos mocinhos, o fenômeno Chávez foi uma resposta ao domínio, por muitas décadas, de uma elite autoritária e concentradora de renda. Maduro poderá até se manter no poder, mas a eleição indica que um outro ciclo começou.