Os pablos que votam no Marçal

Assim como Donald Trump, Bolsonaro, Javier Milei e tantos outros quadros, Marçal surfa na decadência de um Estado que, em boa parte do mundo, revela-se incapaz de conter os danos de uma modernidade avassaladora

Por Fernando Molica

Pablo Marçal estaria soltando fake news nas redes

Os 14%, segundo o Datafolha, de intenções de voto em Pablo Marçal para prefeito de São Paulo indicam a capacidade do empresário de se vender como o que não é, um outsider do sistema político-institucional. Confirmam também a normalização da grosseria e da prática do xingamento e da ofensa.

O candidato do PRTB é apenas uma nova versão dos mecanismos que, ao longo dos séculos, criaram um quase imbatível tropa de elite que ocupa o poder nacional. Marçal segue a trilha de Jânio Quadros, Fernando Collor de Mello e Jair Bolsonaro. Políticos talentosos na arte de forjar um personagem que se apresenta como inimigo das forças que os sustentam e que, de tempos em tempos, fingem uma renovação.

O fenômeno não é exclusivo de uma tendência política, ainda que, nos últimos anos, tenha sido apropriado pela extrema direita. Em muitos países, a vertente tem sido capaz de se apresentar como contraponto a uma crise econômica, social, institucional agravada pelo avanço tecnológico que diminui empregos e salários.

Assim como Donald Trump, Bolsonaro, Javier Milei e tantos outros, Marçal surfa na decadência de um Estado que se revela incapaz de conter os danos de uma modernidade avassaladora, explicitada de maneira brutal em 2008. A bolha imobiliária americana explodiu e, como um tsunami, arrasou economias e vidas por um mundo que já então descobria que a História não acabara, estava ganhando uma face nova e cruel.

Os estados nacionais também foram vítimas da crise que ampliou o desconforto, diminuiu ganhos, sabotou a qualidade de vida e aumentou a incerteza e o medo. Fez um estrago em países desenvolvidos e socialmente mais equilibrados e passou o rodo em nações, como a nossa, em que o Estado nunca chegou a ser visto como um parceiro da população e sim como um gigante que suga muito e pouco devolve.

Os escândalos de corrupção e a eclosão das grandes manifestações de 2013-2014 — em que cada um segurava a própria bandeira — confirmaram a certeza de boa parte da população de que não haveria saída coletiva, que instituições como a política e os sindicatos nada mais tinham a oferecer. A luta passou a ser na base do um contra todos e do todos contra um. 

A mudança foi sentida até no campo religioso. A lógica coletivista da Teologia da Libertação foi sendo substituída por uma busca de salvação individual, sintetizada na Teologia da Prosperidade, Deus passou a ser visto não como caminho para a vida eterna, mas como um sócio na busca de riqueza por aqui mesmo.

Marçal faz bem esse papel. Sua condenação, em 2010, por furto qualificado num processo que envolvia práticas de fraudes bancárias tem sido, até agora, relevada, vista como um pecado da juventude. O que importa para seus admiradores é que ele, nascido pobre, ficou rico, venceu. 

O forte sotaque interiorano, que lhe seria desvantajoso há alguns anos, virou hoje uma qualidade, uma denominação de origem que remete ao agronegócio, ao empresáriado bem-sucedido no campo e na política, onde colhe generosas isenções fiscais.

O candidato incorpora assim o papel de uma espécie de vingador; como se vestisse desejos e ambições de seu eleitorado que se vê oprimido pela riqueza e diplomas alheios e por mudanças de costumes que chegam a questionar o papel do homem na sociedade (ele é preferido de 20% dos homens e por 8% das mulheres).

Marçal vende a falácia de que, sim, outros tantos pablos podem, contra tudo e contra todos, pegarem um atalho para a prosperidade, e chegarem lá. Mesmo que, mais uma vez, o destino seja uma montanha coberta por névoa, castigada pela chuva e pelo vento. Se der errado, os bombeiros  — representantes do Estado — que tratem de voltar a salvar todo mundo.