Moraes e a fantasia de Xerife Xandão

Moraes agiu movido por uma ótima causa, a preservação da democracia, mas, no processo judicial, fins não justificam meios, como o próprio STF sacramentou ao anular decisões de Moro - isto, depois de avalizar tantas decisões ilegais do então juiz

Por Fernando Molica

Ministro Alexandre de Moraes

Ao utilizar métodos informais para obter informações que não caberia a ele buscar, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, foi além do papel de um magistrado. Seus pecados são bem menos graves que os cometidos pelo então juiz Sérgio Moro, que fazia tabelinhas com o Ministério Público, mas não deixam de se constituir em desvio do rito processual.

O risco de golpe de Estado e a postura complacente de Augusto Aras, então procurador-geral da República, com as ilegalidades cometidas por Jair Bolsonaro justificam algumas das atitudes de Moraes. Mas a renovação de medidas como bloqueio de perfis em redes sociais e o material revelado pela Folha de S.Paulo indicam que Alexandre gostou demais da fantasia de Xerife Xandão.

Pelo que foi divulgado até agora, não há indícios de que ele tenha obtido provas ilegais ou determinado diligências clandestinas — apenas mandou que lhe fossem enviados relatórios baseados em informações públicas, disponíveis em redes sociais.

O problema é ordem em si: em tese, juiz recusa ou atende pedidos das partes, não toma a iniciativa de procurar evidências que favoreçam ou prejudiquem um suspeito ou réu. Ao ordenar que servidores ligados ao seu gabinete requisitassem a produção e envio de material contra investigados, Moraes atuou mais como promotor.

É preciso verificar como esse material foi incluído no inquérito das fake news. A eventual indicação de que foi enviado por iniciativa de um órgão do Tribunal Superior Eleitoral, não a pedido de Moraes, teria até o poder de gerar anulação de provas e de prejudicar a investigação sobre suspeitos.

Moraes agiu movido por uma ótima causa, a preservação da democracia, mas, no processo judicial, fins não justificam meios, como o próprio STF sacramentou ao anular decisões de Moro. A inoperância ativa de Aras ainda contou com a colaboração de Moraes que, em 2021, arquivou pedido de investigação contra o PGR protocolado pelos senadores Fabiano Contarato e Alessandro Vieira.

Eles argumentavam que Aras tinha sido omisso ao não agir contra contra os ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, ao Congresso e ao STF. Ao engavetar a acusação de prevaricação, Moraes, na prática, gritou um "Deixa que eu chuto", e se escalou para também jogar fora de posição.

O ministro tem o direito e o dever de atuar contra os ataques à democracia, é fundamental punir de maneira severa todos culpados pela tentativa de golpe, entre eles, os que fazem terrorismo com suas bombas de mentiras plantadas na internet.

Mas medidas como a retirada de perfis de redes sociais antes de condenação de réus só deveriam ser tomadas em casos extremos, para não serem caracterizadas como censura prévia. É improvável que o impeachment de Moraes caminhe no Senado, mas a reportagem da Folha dá ao ministro a chance de repensar seus atos e de avaliar os tiros que deu nos próprios pés.