Por: Fernando Molica

O Brasil botou a cabeça na boca do tigre

Deolane Bezerra, presa por suspeita de lavagem de dinheiro. | Foto: Reprodução/Instagram

A operação da Polícia Federal que mirou na advogada Deolane Bezerra e nos sites de apostas  Vai de Bet e Esporte da Sorte demonstra ser um primeiro passo na investigação de um gigantesco esquema não apenas de lavagem, mas de geração de dinheiro: além de apreender avião, carros e relógios de luxo, os agentes conseguiram na Justiça o bloqueio de R$ 2,1 bilhões.

A quantia levanta uma razoável suspeita sobre como tanto dinheiro foi acumulado, a presença de bets no pacote só aumenta o tamanho do problema. Recém-aportadas no Brasil e ainda em processo de regulamentação, essas empresas atuam como os invasores que, em 1500, chegaram num território que tinha donos e habitantes; por aqui, amealharam fortunas em troca de espelhos e de outros badulaques.

Em pouquíssimo tempo, parte da população brasileira aceitou depositar sonhos e dinheiro em sites pra lá de suspeitos, sediados sabe-se lá onde, que, entre outros tipos de apostas, oferecem jogos de resultado supostamente aleatório, não sujeitos a qualquer tipo de controle. Mesmo assim, milhões de pessoas aceitam colocar cabeças e cartões de crédito na boca do tigre, confiam em programadores de jogos de azar que não têm nome nem endereço.

As fraudes apuradas pelo Ministério Público de Goiás que apontam para manipulação de jogos nos campeonatos brasileiro  — inclusive na Série A — e estaduais e o caso do jogador Lucas Paquetá, que disputa a bilionária liga inglesa e veste a camisa da nossa seleção, mostram a gravidade do que foi criado pelas bets. E estes são episódios isolados e pontuais, nada impede a existência de grandes esquemas de manipulação que beneficiem de maneira direta os próprios promotores dessas apostas.

O setor de apostas virtuais se transformou numa das principais fontes de arrecadação do mercado publicitário brasileiro. Onipresentes, as bets patrocinam times de futebol, programas esportivos, têm suas marcas espalhadas pelos principais estádios do país.

Como mostrou a coluna Correio Bastidores, o Senado chegou a retirar do projeto de lei que regulamenta a atividade um artigo que estabelecia limitares para a publicidade das bets. Alvo da operação de ontem, a Esporte da Sorte patrocina Corinthians, Bahia e Athetico Paranaense e o time feminino do Palmeiras.

A adesão de brasileiros a tantas e sedutoras promessas de dinheiro fácil tem consequências graves, gera vício, abala famílias e o comércio. Pesquisa divulgada esta semana pela FecomércioSP revela que 17% dos paulistanos jogam habitualmente nas bets.

Segundo os dados, o dinheiro que vai para as apostas era antes direcionado para lazer e entretenimento (41%), pagamento de contas (20%), poupança (19%), compra de comida (12%) e de roupas e sapatos (9%).

Outras pesquisas mostram que a maior parte do dinheiro eventualmente obtido nas bets acaba sendo usado em novas apostas — a grana serve apenas para girar o próprio mecanismo, pouco circula pela economia. Melhor, vai para os bolsos dos donos das casas de apostas: 44% dos ouvidos pelo levantamento da FecomercioSP disseram que perderam mais do que ganharam nos jogos; 30% tiveram algum lucro e 26% ficaram numa situação de equilíbro. Como no caso dos colonizadores, o grosso do dinheiro escoa para fora do país.

As investigações da PF revelam que o problema é muito maior. Afinal, o jogo é, tradicionalmente, uma das melhores formas de se lavar dinheiro — há algumas poucas décadas, aqui no Brasil, políticos corruptos chegavam a comprar bilhetes de apostas premiadas de loterias para justificarem seus ganhos com outro tipo de jogada. Alegavam que eram pessoas de sorte.

No caso das bets, não há limite para a criação e expansão das redes de lavanderias: a existência de um eficiente mecanismo de limpeza de dinheiro sujo serve para estimular ainda mais o crime. Ao impor tão poucos limites às bets, o Brasil fez uma aposta errada, os resultados estão na nossa cara.