Por: Fernando Molica

Horário eleitoral não gratuito

Sobrou bronca até para o vice-presidente Geraldo Alckmin | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O resultado do primeiro turno da eleição paulistana permitirá uma melhor avaliação da necessidade de o país manter o horário de exibição de propaganda na TV que, diferentemente do que se costuma dizer, não tem nada de gratuito — as emissoras têm direito a abater impostos em troca da cessão do espaço.

Segundo cálculos da Receita Federal, o país, este ano, deixará de arrecadar R$ 566 milhões para financiar a exibição desse tipo de publicidade.

Ainda que continue a ser importante, o horário de propaganda eleitoral obrigatória foi abalado pela queda da audiência das TVs abertas e, principalmente, pelo fenômeno das redes sociais.

Em 2018, Jair Bolsonaro tinha direito, duas vezes por dia, a oito segundos de rádio e TV, além de 11 inserções ao longo de todo o primeiro turno.

Geraldo Alckmin, por sua vez, recebeu um latifúndio de 5 minutos e 32 segundos por bloco, e mais 434 inserções. No primeiro turno, Bolsonaro recebeu 46,3% dos votos; Alckmin, 4,76%.

Importante ressaltar que o atentado de que foi vítima no início de setembro garantiu ao ex-capitão uma extensa cobertura midiática, o que aumentou muito sua presença na TV. Na pesquisa Datafolha divulgada nem 22 de agosto, duas semanas antes da facada em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro tinha 19% das intenções de voto, contra 39% atribuídos a Lula, que, apesar de estar preso, ainda insistia em concorrer. Sem a presença do petista, o então candidato do PSL ficava com 22%, contra 16% de Marina Silva: Alckmin tinha 9%.

No levantamento seguinte, publicado em 11 de setembro, cinco dias depois do atentado, Bolsonaro liderava com 24%; em segundo lugar vinha Ciro Gomes (13%). Àquela altura, Lula já tinha sido escanteado pela Justiça e impedido de participar do pleito.

Este ano, a situação se apresenta mais interessante para se avaliar a importância da propaganda no rádio e na TV. Cria das redes sociais, espaço que domina até com o uso de mecanismos considerados ilegais pela Justiça Eleitoral, o coach Pablo Marçal, que arrumou uma vaga de candidato no minúsculo PRTB, não tem direito a nenhum segundo nessa propaganda. Mesmo assim, está entre os três candidatos que registram a melhor performance nas pesquisas.

Sua eventual passagem para o segundo turno vai gerar, entre outras, uma importante discussão sobre a necessidade de se manter um tipo de propaganda que remete a eleições passadas, como a de 1974, quando, em plena ditadura, o MDB, partido de oposição consentido pelos militares, conquistou 16 das 22 cadeiras do Senado que estavam em disputa.

A derrota do partido governista, a Arena, foi tamanha e a influência da TV tão grande que, dois anos depois, o governo criou a lei que acabaria conhecida pelo sobrenome do então ministro da Justiça, Armando Falcão. As novas regras, que vigorariam até 1984, reduziam a propaganda na TV à exibição de foto dos candidatos e leitura de seus currículos. 

A propaganda eleitoral continou a ter um papel decisivo nas eleições seguintes, o direito ao tempo de TV  — proporcional às bancadas na Câmara dos Deputados — passou a ser moeda de troca muito valiosa no mercado que definia as coligações entre partidos.

Estruturas milionárias de produção de programas eram montadas para melhor apresentar os candidatos, esquemas que renderam votos e escândalos.

Daqui a um mês, no dia 6 de outubro, será interessante conferir o resultado das urnas também sob esse viés.

Talvez seja chegada a hora de pelo menos reduzir o tempo de propaganda de TV e o dinheiro que todos nós somos obrigados a gastar para veicular um tipo de mensagem que, assim como o voto em papel, parece ser ter sido ultrapassado pelos novos tempos.