Os problemas ocorridos nos debates entre candidatos à prefeitura de São Paulo, em especial a cadeirada de domingo, indicam a necessidade de uma mudança no formato desses programas.
A experiência norte-americana mostra a importância de haver moderadores com poder de questionar os candidatos, de contestá-los, de refutar suas afirmações mentirosas, de ao menos tentar fazer com que eles sejam obrigados a responder sobre os temas tratados.
Não adianta dar ao candidato A o direito de rebater que é dito por B. Como ficou mais uma vez evidente no debate da TV Cultura, o autor da réplica muitas vezes usa seu tempo para formular uma nova questão ou para lançar uma ofensa que nada tem a ver com o assunto em pauta.
A mudança não está apenas relacionada ao surgimento de personagens caricatos como Pablo Marçal (PRTB). Domingo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) fugiu de pergunta sobre eventuais dificuldades impostas em sua gestão à realização de abortos legais. Mas fez questão de falar sobre a ampliação de casos de interrupção de gravidez e de descriminalização de drogas — questões que fazem parte de agenda federal — para fustigar Guilherme Boulos (Psol).
O psolista, por sua vez, frisou um episódio em que o emedebista, em 1996, teria disparado tiros na porta de uma boate. Marçal foi questionado por Marina Helena (Novo) sobre impeachment do ministro Alexandre de Moraes, algo que também passa longe da agenda de um prefeito. O coach, pródigo na hora de ofender adversários, saiu pela tangente ao ser perguntado sobre ampliação da tarifa zero em ônibus.
A presença de mediadores com maior poder de intervenção teria sido fundamental para colocar as discussões nos trilhos nessas e em outras ocasiões. Foi o que se viu, por exemplo, no debate entre Kamala Harris e Donald Trump, quando o este foi obrigado a explicar a origem das fake news que tratavam de imigrantes ilegais que estariam comendo cães e gatos.
Não seria simples mudar a lógica dos debates, é provável que houvesse resistência dos candidatos e de seus partidos: todos, em diferentes graus, querem ser livres para mentir ou, pelo menos, para escapar de temas mais constrangedores. O histórico de eleições no país permite também prever uma desconfiança em relação à isenção de jornalistas encarregados de mediar debates.
Mas as sabatinas individuais mostram que é mais do que razoável submeter candidatos a questionamentos específicos, respaldados em informações sobre a trajetória política de cada um e nos programas de governo apresentados.
Valeria também pensar na possibilidade de realização de debates mais ou menos temáticos, que permitissem um aprofundamento em temas como educação, saúde, transporte, meio ambiente, segurança, eficiência dos gastos públicos, zeladoria. O modelo de confrontos adotado no país facilita a repetição de generalidades, clichês e bordões de campanha.
Já houve três debates com a presença dos principais candidatos em São Paulo, estão programados mais cinco debates entre hoje e o próximo dia 3. Cadeiradas à parte, dá até para prever o que ocorrerá em cada um deles, apresentações superficiais de propostas de governo associadas ao lançamento de acusações e/ou xingamentos a adversários.
A manutenção do atual formato facilita a aparição de candidatos descomprometidos com metas e visões de cidade, estimula a fórmula da busca do impacto a qualquer custo, transforma horários importantes de concessões públicas como as TVs abertas em plataforma de lançamento de falsidades em redes sociais. Ao privilegiarem a lacração e os tais dos cortes, debates deixam de servir como espaço de consolidação da democracia; pior, ajudam a corroê-la.