Por: Fernando Molica

Eleitor deve olhar para as cidades

Complexo de favelas do Alemão, no Rio | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Não custa ressaltar que a próxima eleição é para prefeitos e vereadores. Os eleitos não terão como mudar as  relações do Brasil com a Venezuela, não votarão ou sancionarão leis para descriminalizar drogas ou aborto, não serão responsáveis para aumentar a presença de policiais nas ruas e nem aprovarão penas maiores para criminosos.

Isso não quer dizer que prefeitos não sejam importantes, são decisivos em pontos que mexem diretamente com as nossas vidas. Cuidam da educação fundamental e de boa parte do atendimento à saúde, definem políticas de transporte e de habitação, zelam pela iluminação pública, indicam se querem gastar mais dinheiro em áreas ricas ou pobres.

Virou até lugar-comum dizer que não moramos num país ou num estado, mas numa cidade. Passamos a maior parte do ano dentro dos limites do município onde moramos, trabalhamos, estudamos, fazemos compras, nos divertimos. É onde também enfrentamos muitos perrengues relacionados à administração municipal.

É razoável que nos preocupemos com visões de mundo mais gerais de candidatos, ainda mais num país tão polarizado. Mas, no caso de uma eleição municipal, o importante não é saber se fulano é conta ou a favor do asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (a menos, claro, se você morar por lá). 

O fundamental é saber se o futuro prefeito é contra ou a favor da tarifa zero em transportes públicos (e, se for entusiasta da ideia, como pretende financiá-la), se ele ou ela vai conseguir estabelecer uma negociação com o governo do estado para integrar outros modais. 

Tudo tem que ser visto numa perspectiva que diga respeito ao nosso cotidiano. É compreensível que temas como aborto e drogas mobilizem a opinião pública, mas, no caso municipal, as questões não passam por descriminalização ou legalização, isso cabe a senadores e deputados federais.

Os problemas por aqui são outros: como o prefeito/a prefeita vai agir em relação às cracolândias? Vai apenas mandar a guarda municipal baixar o sarrafo naquelas pessoas ou implementará políticas que busquem a recuperação de dependentes e de espaços públicos? Vai estimular a criação de clínicas laicas para tratamento de adictos?

O caso do aborto também deve ser encarado de maneira compatível com a legislação em vigor há tantos anos: a prefeitura vai acolher mulheres que precisam interromper a gravidez por correrem risco de vida ou que foram estupradas? É preciso pensar como você agiria se isso acontecesse com alguém de sua família, ou com uma amiga.

É importante lembrar que vereadores integram o Poder Legislativo, são encarregados, primeiramente, de fazer leis que regulam a vida em nossas cidades. São eles que definem, por exemplo, o modelo de ocupação em cada um dos nossos bairros, se haverá mais ou menos edifícios altos, se guardas municipais usarão armas de fogo. O processo de licitação de transportes públicos também passa pelas câmaras municipais. 

Vale desconfiar de candidatos que insistem em dizer que defenderão a família — quem fala muito nisso costuma se preocupar principalmente com seus próprios parentes. Defendem as famílias os prefeitos e vereadores que viabilizam transporte, habitação, saúde e educação de qualidade, que criam e implantam políticas que favorecem a geração de emprego e de renda (e isso é bem diferentes de arrumar cargos para protegidos).

Portanto, cuidado para não ser enganado. Quem procura levar a discussão municipal para temas mais genéricos, fora do alcance de prefeitos e de vereadores, quer mesmo fazer que olhemos para o alto para desviar nossa visão do que está bem à frente: a rua esburacada, a escola sem professor, o posto de saúde sem médico e remédios e os ônibus caros e lotados.