"É necessário pegar pelo pescoço a miserável classe política dominante"; "Repetimos que não gostamos da violência, que a violência é para nós uma exceção, e não uma regra: aceitamos essa espécie de guerra civil como uma necessidade maior (...); "A violência, para nós, não tem um caráter de vingança pessoal, mas um caráter de defesa nacional".
As frases foram ditas no início da década de 1920 por Benito Mussolini, que, em 1922, assumiria o cargo de primeiro-ministro da Itália. Todas estão reproduzidas no livro "M - O filho do século" (Intrínseca), de Antonio Scurati, que narra a ascensão do fascismo.
Classificado pelo autor de romance documental — não há de ficção na narrativa, toda baseada em fatos comprovados —, "M", em suas 800 páginas, permite que conheçamos detalhes de um processo histórico que geraria uma das maiores tragédias da humanidade, a Segunda Guerra Mundial.
Mostra como o desencanto com a democracia, a frustração com o Tratado de Versalhes, a pobreza e erros da esquerda ajudaram a criar um ambiente favorável para direcionar um inconformismo difuso, permitiram a exarcebação do ódio e da intolerância e a banalização da violência como estratégia política.
Vale ler com calma as frases de Mussolini. Na primeira, ele, que seria bancado por empresários e proprietários rurais assustados com o socialismo, demonstra sua aversão pelo que classifica "classe dominante". Um mantra até hoje adotado por herdeiros de poderosos que, em determinado momento, assumem posições radicais para mascarar sua adesão ao mesmo projeto de dominação.
De um modo geral, o contra tudo e contra todos representa apenas uma versão modernizada de um processo de manutenção de poder.
Citada nas duas outras frases, a questão da violência merece uma análise mais particular. Líder de um movimento que, desde seu início foi marcado por episódios de agressões e assassinatos, Mussolini soube transformar usar o inconformismo para atacar adversários, para transformá-los em inimigos que mereciam e precisavam apanhar e morrer.
Dissimulado, dizia que a violência era exceção, mas justificável por uma "necessidade maior". Nesses casos, há sempre uma necessidade maior, um inimigo contra o qual toda a força pode ser empregada, seja ele um povo, uma etnia, um partido, uma determinada visão de mundo.
Ao demonizar os que dele discordavam, o fascismo transformou a agressão em algo imperioso, uma necessidade — foi o que justificou a perseguição a judeus, ciganos, homossexuais, socialistas e a representantes de outras minorias. O ódio e o extermínio passaram a ser vistos como quase obrigatórios.
Na fala de Mussolini, a ideia de "defesa nacional" é complementar à de "guerra civil". O país é visto não como um conjunto dinâmico e mutante de cidadãos de diversas origens e pensamentos, passa ser identificado com um suposto modelo de pátria que só admite uma determinada visão de mundo.
Uma nação tornada assim excludente, que, para sua própria sobrevivência, precisa, sob a proteção de um único e admissível deus, eliminar os diferentes, aqueles que ameaçam uma única e excludente forma de organização social, baseada numa determinada visão de família. Como resumiu Mussolini, não se tratava de vingança pessoal, mas de uma necessidade de defesa da pátria.
A Itália, o Alemanha e o Japão foram derrotados pelas tropas aliadas. Mortos em abril de 1945 pela Resistência Italiana, Mussolini e outros cúmplices tiveram seus corpos pendurados pelos pés em Milão. Pena que ventos metafóricos volta e meia cismem em movimentar o cadáver do ex-duce, assim transformado numa espécie de pêndulo ameaçador, que de vez em quando joga sua sombra de morte também por aqui.