Sinais de fumaça
Há quem prefira acreditar em Nostradamus do que em evidências científicas, um pessoal que nega tanto o conhecimento acumulado pela humanidade que sequer deveria usar celulares, carros e aviões
As queimadas que consomem matas pelo país e sufocam cidades indicam que o fim do mundo — do mundo que conhecemos -— já se anuncia por aí. Não foi por falta de aviso: há algumas décadas que cientistas alertam que a poluição provocada pela queima de combustível fóssil e pelas queimadas e o desmatamento e ampliação de fronteiras agrícolas iam matar a Terra.
A previsão, baseada em observações, análises e projeções, foi encarada por muita gente como uma grande enganação, resultado de teorias conspiratórias. Há quem prefira acreditar em Nostradamus do que em evidências científicas, um pessoal que nega tanto o conhecimento acumulado pela humanidade que sequer deveria usar celulares, carros e aviões — todos frutos de muito trabalho e pesquisa.
Pior são aqueles que veem na necessária limitação de emissões e na necessidade de preservação de florestas uma ameaça aos seus lucros. Agem como comilões e beberrões que, no fim da festa, atacam garçons em busca de mais comida e bebida.
A comparação da Terra com uma nave espacial que precisa ficar limpa é antiga, mas ainda válida. Temos apenas esse planeta, vai demorar muito tempo, séculos, provavelmente, para que tenhamos a oportunidade de colonizarmos outro ponto perdido no espaço capaz de nos abrigar.
Não é fácil abrir mão de riqueza e de conforto, uma parcela da humanidade vive em condições muito boas, jamais imaginadas. Não faz tanto tempo assim, nossos antepassados vagavam pelo mundo caçando para ter o que comer. O problema é que esse padrão de vida é também excludente e se transformou numa ameaça.
A conta pela desordem climática tem que ser cobrada principalmente dos países ricos, maiores responsáveis pelas emissões desde a Revolução Industrial. Mas não podemos deixar de olhar para o lado. De uns anos pra cá, boa parte da sociedade brasileira passou a identificar preservação com atraso, respaldou que se passasse a boiada em áreas que deveriam ser preservadas, elegeu políticos comprometidos com a destruição.
A chamada Bancada do Boi, formada por defensores do agronegócio, não surgiu do nada. Seus integrantes foram eleitos pelo voto popular, representam pontos de vista não apenas de fazendeiros, mas dos que se identificam com a pregação antiecológica.
É inegável que, embora altamente subsidiado por isenções fiscais, o agro, ainda que mais voltado para a produção de ração do que de alimentos, tem papel fundamental na economia brasileira. Isto, principalmente nas exportações e na geração de uma riqueza que se espalha pela sociedade.
Mas é absurdo que grande parte do setor continue a tratar o país da mesma forma dos colonizadores que viam o Brasil como uma grande fazenda capaz de produzir riqueza para o exterior, local que existia apenas para ser explorado.
Eles, os grandes produtores rurais, sabem dos limites da terra, conhecem o papel fundamental das florestas para a preservação das nascentes e dos leitos do rio. Têm perfeita noção do papel dos povos originários na manutenção do meio ambiente que garante tanto cultivo e tanta riqueza.
O ressecamento de grandes rios e os incêndios criminosos precisam ser vistos como sinais do esgotamento de um modelo de ocupação, como um grito da natureza. Não podemos mais nos comportarmos como personagens de fábulas infantis que matam a fonte da própria riqueza.
Não é aceitável que o Congresso Nacional aprove novos projetos que fragilizam ainda mais o ambiente que é de todos, que precisa ser preservado, para nós e para nossos descendentes. Estamos, literalmente, brincando com fogo — e chega a ser inacreditável que o tema não ocupe papel central nas campanhas eleitorais.