Allen leva Nova York para Paris

Diferentemente do espetacular "Meia noite em Paris" (2011), uma declaração de amor à cidade, no novo filme, Allen parece deixar claro que foi obrigado a atravessar o Atlântico, queria mesmo era ter feito seu trabalho nas ruas que ficam na sua vizinhança.

Por Fernando Molica

Cena de "Golpe de sorte em Paris", de Woody Allen

Por falta de financiamento nos Estados Unidos, Woody Allen teve que sair de Nova York para filmar, mas NY não saiu dele. No seu filme mais recente — o 50º da carreira! —, "Golpe de sorte em Paris", a capital francesa que aparece na tela é a cara da cidade onde o cineasta nasceu, tão dissecada e cultuada em diversas de suas criações.

No longa-metragem há poucas cenas que marcam o fato de a ação ocorrer numa das cidades mais espetaculares do mundo. Allen transfere para o casal protagonista sua condição de exilado — na juventude, os dois personagens se conheceram em NY e, por caminhos tortos, foram parar na França, onde se reencontram e protagonizam uma história de amor complicada (ela é casada com um milionário francês).

Diferentemente do espetacular "Meia noite em Paris" (2011), uma declaração de amor à cidade, no novo filme, Allen parece deixar claro que foi obrigado a atravessar o Atlântico, queria mesmo era ter feito seu trabalho nas ruas que ficam na sua vizinhança.

Chega a ser engraçado que, talvez por razões contratuais, todos os personagens, inclusive americanos, falem francês o tempo todo.  Fanny (Lou de Laâge) e o ex-colega Alain (Niels Schneider) se conheceram numa escola em NY mas, mesmo nos momentos de intimidade, conversam no idioma do país em que vivem.

Na França, comportam-se como se estivessem no outro continente: na hora do almoço, comem sanduíches como fazem americanos; isso, num parque que parece ser o Central Park. A trilha sonora traz "Cantaloupe Island", de Herbie Hancock, outra citação explícita ao país de Allen.

"Golpe de sorte em Paris" tem a marca de Allen, um cineasta de carreira muito particular: seus filmes chegam a parecer episódios de uma grande série que ele constrói ao longo de décadas. O longa, porém, às vezes parece ser mais uma citação à obra do diretor do que uma criação original.

O tema da sorte e do acaso foi explorado — com muito mais brilhantismo — em "Match Point" (2005), que também trata de desejo, infidelidade conjugal e de busca de soluções extremas.

Não dá para não gostar de um filme de Woody Allen (ok, "Para Roma, com amor" é bem fraco), mas "Golpe de sorte em Paris" demonstra que, prestes a completar 89 anos, o cineasta parece ter em parte sucumbido à idade, às dificuldades para realizar suas produções, às acusações de abuso sexual contra uma filha adotiva (foi absolvido, mas o processo gerou desgaste, complicou ainda mais a busca de financiamentos).

Assistir ao um filme de Allen é tarefa quase obrigatória para quem gosta de cinema, seu humor, suas questões e seus impasses dialogam com o público há mais de cinco décadas. "Annie Hall" (1977), "Manhattan" (1979), "Zelig" (1983), "A rosa púrpura do Cairo" (1985), "Vicky Cristina Barcelona" (2008) são, entre tantos outros, geniais. Que, no próximo filme, ele possa voltar pra casa.