Por: Fernando Molica

O pior dos escândalos

Nunes: dificuldade em falar do BO | Foto: Divulgação/Governo SP

O desconforto de Ricardo Nunes (MDB) diante da insistência para que explique boletim de ocorrência feito por sua mulher em 2011 comprova algo até cínico: para um político, o pior escândalo é aquele facilmente compreensível pela população.

O prefeito de São Paulo é suspeito em casos sobre supostos desvios de verbas para creches e em irregularidades em contratos emergenciais. Mas ele sabe, como ficou evidente no debate de ontem, que o grande problema é o fato de ter sido acusado de violência doméstica por Regina Carnovale Nunes, com quem é casado.

É improvável que pessoas comuns lembrem de detalhes da maioria dos escândalos que estouraram nos últimos anos. Contratos superfaturados, contas em paraísos fiscais, remessas irregulares de dinheiro, parlamentares que irrigaram a Codevasf e tantas prefeituras — com o tempo, tudo acaba entrando num bololô meio amorfo.

Nem sempre é simples compreender histórias de dinheiro que sai de um lugar e faz várias escalas antes de chegar ao destino final. E tome de notas fiscais frias, de empresas e de funcionários fantasmas, de compras feitas por valores acima do padrão. Os próprios criminosos fazem questão de apagar pistas, de confundir eventuais caminhos de investigação.

Mas todo mundo sabe o que é violência doméstica. O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) dificilmente vai se livrar do fantasma da acusação de que agrediu a então mulher. A pedido da Procuradoria-Geral da República, a investigação foi arquivada pelo Supremo Tribunal Federal, mas prejudicou a votação do parlamentar na eleição para prefeito do Rio, em 2016 (ele sequer chegou ao segundo turno) e até hoje é lembrada por adversários. 

Em 2015, o mesmo STF também arquivou o caso em que o hoje presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), era acusado de agredir a então mulher.  A decisão, porém, não tem o poder de impedir que o caso volte a ser falado — Lira com frequência recorre à Justiça para tentar proibir a veiculação de reportagens sobre o tema.

É provável que mesmo entre petistas poucos saibam detalhar as suspeitas sobre a participação de Jair Bolsonaro na articulação de um golpe de Estado. Mas todo mundo sabe que o ex-presidente está enrolado na história das jóias. 

Até o fim dos dias, o senador Chico Rodrigues (PSB-RR) vai ser lembrado como aquele que foi flagrado com dinheiro na cueca. O STF decidiu que era indevida a condenação de Lula no caso do  tríplex no Guarujá, mas o apartamento jamais será esquecido por quem não engole o presidente. É difícil alguém se livrar de suspeitas que remetem a objetos concretos, palpáveis.

Qualquer político pode contestar acusações de corrupção, alegar que as provas são inconsistentes ou requentadas (os caras adoram dizer isso), que não há nada de concreto nas suspeitas. Pode citar o inciso A do parágrafo B da lei C, reiterar que não tem nada a ver com a história. 

Mas há acusações que, mesmo que eventualmente injustas, ficam grudadas no currículo de qualquer pessoa — e a agressão doméstica, física ou verbal, é uma delas. A reação de Nunes aos repetidos questionamentos/provocações do adversário Pablo Marçal no debate da Folha e do UOL evidencia sua dificuldade ao tratar do assunto. Guilherme Boulos (Psol) notou seu constrangimento e enfatizou o tema.

Nunes limita-se a repetir que jamais encostou um dedo na mulher — o BO fala em ofensas, em palavrões —, mas sua dificuldade em tratar do assunto gera a suspeita de que nem mesmo ele consegue conviver com a lembrança do fato, independentemente do que tenha ocorrido. Uma incapacidade que fica clara quando ele não apresenta uma resposta para o episódio, deixa o assunto no ar. Isso indica que nem ele digeriu o que ocorreu.