Por: Fernando Molica

A identificação e a tolerância com o jogo do tigre eleitoral

Marçal ofereceu apoio político em troca de Pix de R$ 5 mil | Foto: Divulgação

O fato de cerca de 20% dos paulistanos preferirem Pablo Marçal (PRTB) indica adesão ao coach mas também tolerância com um sujeito que começou a vida dando golpes pela internet, foi condenado por furto qualificado. É como se seus seguidores dissessem que a vida é assim mesmo, melhor ser malandro que mané. 

Uma identificação que tolera mentiras, difamações, provocações, simulações, agressões verbais e físicas — como no caso do debate do Flow — e desrespeito às regras do jogo. Quantas vezes já ouvimos por aí que quem faz tudo direitinho acaba se ferrando? Pois é.

Os eleitores de Marçal demonstram uma fé de viés religioso num candidato que anuncia o paraíso da prosperidade, que transfere para seus seguidores a responsabilidade por seus fracassos — a cadeirante por quem ele orou é que é culpada por não ter saído andando. Há igrejas que cobram ofertas em dinheiro para que o fiel prove sua fé em Deus; o messias Marçal pede votos.

Apesar de sua alta rejeição demonstrada pelas pesquisas, Marçal tem sido perdoado por quebrar tantos ovos para fazer o omelete que garante a própria forturna. Mais, serve de exemplo para tanta gente desiludida. Tem hora em que flagelados, pingentes e balconistas como os citados na música de João Bosco e Aldir Blanc mandam às favas sonhos e alguns escrúpulos e passam a absolver aqueles que colocam a mão na bola, que fingem levar cotoveladas — sabe aquela história de melhor é ganhar roubado?

E aí, deixam-se seduzir por supostas lições de prosperidade que incluem a estratégia de pedir R$ 100,00 a dez pessoas para conseguir R$ 1.000,00, como mostrado em reportagem da Folha de S.Paulo. Lições de prosperidade que incluem mandamentos como "Fez muita caxxda na vida? Transforma isso em esterco". Tem gente que paga muito caro para receber esse tipo de ensinamento. 

Por mais que reprovemos atitudes de políticos, é preciso admitir que eles — de todas as cores ideológicas — são fruto da mesma sociedade que todos nós. É até provável que índice de pecadores entre eles seja maior que o encontrado na população em geral, mas eles nos refletem. 

Isso vale para os bem-intencionados e para os pilantras. Desvios de verbas operados por políticos só existem porque existe uma rede de cumplicidade: a empresa que superfatura obras, o cidadão que aceita assumir um cargo público para não trabalhar e doar quase todo seu salário para o patrono.

Eleição também não pode ser comparada com um processo de canonização, o critério de santidade excluiria muita gente da disputa. Mas, de um modo geral, dá pra pesar perdas e danos a partir da trajetória de cada candidato e de seu partido.

O caso de Marçal é, porém, particular. O PRTB é uma abstração, sequer tem representante no Congresso Nacional e volta e meia aparece implicado com outra sigla que, coincidentemente, também começa com a letra P. O candidato não tem nenhuma trajetória na política, vende-se como um mágico que vai operar na prefeitura os milagres que diz ter feito na vida particular — é como se prometesse que todos vão virar empreendedores milionários caso ele seja eleito.

Mais do que se apresentar como um fiel, ele representa a própria lógica da fé, essa misteriosa e potente força que faz com que a maior parte da humanidade acredite no sobrenatural. Marçal é um pobre que ficou rico, é que o parece importar — e danem-se aqueles velhinhos que, como mostrou reportagem de revista piauí, tiveram suas contas bancárias devastadas pela quadrilha que ele integrava. 

A atuação de Marçal corresponde aos anseios de, a julgar pelas pesquisas, de cerca de dois milhões de paulistanos que acreditam na lei da selva, que colocam cabeças e votos na boca de um tigre como aqueles dos dos jogos de azar.