Por: Fernando Molica

A fila da direita começa a andar

Jair Bolsonaro não reina mais sozinho na direita | Foto: Arquivo/EBC

A eleição mostrou que Jair Bolsonaro (PL) continua forte, mas revelou também que não vai ser tão simples para ele continuar a mandar na direita como quem passa doce de leite no pão.

Em 2018, deputado do baixo clero e de alta histeria, o ex-capitão aproveitou uma série de fatores coincidentes para montar num cavalo que acabaria sendo vencedor.

Na época, fez tudo que um candidato não deveria, em tese, fazer. Chegou a tornar seu discurso ainda mais radical no segundo turno, momento em que políticos costumam tirar suas peles de cordeiro do armário. Mesmo assim, ganhou — e pôde esfregar a vitória na cara de todo mundo, inclusive de aliados.

Mas, como cantou e alertou Chico Buarque — certamente um compositor ignorado pelo ex-presidente — é bom que quem brinca de princesa não se acostume com a fantasia. Ao longo do mandato, Bolsonaro manteve o estilo beque da roça até mesmo num dos momentos mais graves das últimas décadas, a pandemia da Covid 19.

Deu no que deu. Perdeu por pouco, mas perdeu — ele passara de pedra a vidraça; exagerara no deixa que eu chuto, mandara as favas conselheiros minimamente sensantos. E, mais importante, a Justiça que decretara e respaldara a prisão de Lula seis meses antes da eleição de 2018 reconheceu, um ano e meio depois,  duas obviedades: 1. o processo que mandara o então ex-presidente para a cadeia não deveria ter sido aberto em Curitiba; 2. Sérgio Moro criara o próprio Código de Processo Penal.

Mas quem disse que Bolsonaro admitiria algum erro? Montado em seus 58 milhões de votos e respaldado pela adesão de boa parte da população ao credo da extrema-direita, ele manteve o jeitão de quem manda aqui sou eu. Atropelou até Valdemar Costa Neto, dono do PL e que conhece muito bem a importância de ser flexível na política.

O ex-presidente abriu mão de passar a boiada em São Paulo, topou não apoiar o lançamento de seu ex-ministro Ricardo Salles à prefeitura, engoliu um candidato, Ricardo Nunes (MDB), que, como admitiu, não é dos seus sonhos. Mesmo assim tratou de, a exemplo do que fez em Curitiba (PR), impor um vice com quem seria capaz de fazer arminha.

Mas o escorpião Bolsonaro não se rende àqueles que considera sapos na política, e tratou de lançar seu ferrão em alguns aliados mesmo com o risco de naufragar. Vale comparar seu comportamento com o de Lula: sabedor de que sua presença da campanha de Eduardo Paes (PSD) à prefeitura do Rio poderia atrapalhar a reeleição do aliado, o presidente tratou de manter distância. Isso, sem qualquer constrangimento ou mágoa.

Já Bolsonaro escreve sua trajetória como quem compõe uma letra de bolero: e tome de traidores, de salafrários, de canalhas, de inconfiáveis. Talvez fique aliviado se a dupla Nunes e Tarcísio de Freitas pedir para que ele evite aparecer por lá — mas é bem provável que considere o ato uma desfeita e veja nele uma possível trairagem do governador que tanto ajudou a eleger. 

Diferentemente de Lula, fruto de um movimento político-popular, o ex-presidente só pensa na primeira pessoa do singular. Mesmo inelegível, trata de pisotear quem, no campo da direita, ameaça virar candidato presidencial em 2026, Ronaldo Caiado, governador de Goiás, que o diga. A birra de Bolsonaro com João Dória, então governador paulista, começou com o medo de que ele dividisse o campo conservador em 2022.

Mas as urnas mostraram a existência de lideranças importantes na direita e na extrema-direita, políticos que, como Pablo Marçal, não se veem obrigados a bater continência para o ex-capitão. A bronca do pastor Silas Malafaia que Bolsonaro tomou — e engoliu — indica que a fila começou a andar.