Por: Fernando Molica

Múcio deveria ser ministro do governo, não dos militares

Ministro da Defesa entre comandantes militares. | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O ministro da Defesa, José Múcio, mostrou mais uma vez que atua como representante dos militares no governo e não como um subordinado ao presidente da República.

Ex-deputado federal, Múcio deveria saber que o cargo de ministro é político, sujeito, portanto a interferências — óbvio dizer — de caráter político na definição das linhas de atuação da pasta. Isso, como em qualquer outro ministério. 

Num discurso feito ontem, Múcio deu margem até para uma insinuação de racismo ao dizer que o governo vetou uma licitação do Exército vencida por "judeus", "o povo de Israel". Não foram os judeus os vencedores, mas uma empresa israelense. Israel é um Estado soberano construído por judeus, mas lá vivem povos de outras origens. Vale substituir a palavra usada pelo ministro por qualquer outra designação étnica ou religiosa para que se perceba o tamanho do absurdo por ele cometido.

Não se trata preconceito, nem, muito menos, diferentemente do que ele disse, de um veto por "questões ideológicas": trata-se de um tema afeito à soberania nacional pela qual ele deveria zelar.

O governo de Israel humilhou o embaixador brasileiro no país e classificou o presidente Lula de "persona non grata". Isto, em decorrência de declarações do presidente sobre os ataques israelenses à população da Faixa de Gaza.

Múcio também errou ao criticar a não autorizaçao para que o Brasil venda para a Alemanha munição estocada por aqui e que não é utilizada. O problema é que o material poderia ser cedido para Ucrânia utilizá-lo na guerra contra a  Rússia.

A posição adotada por Lula em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia é bem questionável, mas o fato é que o Brasil tem tentado articular um movimento de pacificação. Seria complicado que, neste momento, o país vendesse munição que poderia ser usada no conflito. Múcio deve se lembrar do problemão que houve quando, em 1982, um caça britânico que bombardeara posições argentinas na Guerra das Malvinas teve que pousar no Rio.

Na mesma fala, o ministro vestiu uma farda inexistente ao engrossar o coro contra o impedimento de exploração de potássio em terras indígenas. Voltou a falar em questão ideológica para condenar este tipo de mineração. Não se trata de ideologia, mas de respeito a populações originárias, ainda hoje vítimas de massacres.

Há décadas que militares se posicionam contra determinadas demarcações de terras indígenas — eles têm o direito de se manifestarem, assim como a sociedade em geral e os povos envolvidos. Mas o ministro não pode encampar uma opinião que contraria princípios do governo para o qual trabalha.

Por último, e igualmente grave. O mesmo ministro que, dias antes do 8 de Janeiro, classificou de democráticas manifestações golpistas diante de quartéis — em áreas militares, portanto — ontem falou que muita gente que "debita às Forças Armadas o golpe de 64" precisava creditar às mesmas forças o fato de não ter havido golpe em 2023.

Não se brinca com fatos: fardados, apoiados por civis, deram um golpe de Estado em 1964, destituíram o presidente constitucional e implantaram uma ditadura que torturou e matou. Quase 60 anos depois, comandantes militares participaram, de forma ativa e passiva, de uma articulação golpista que por pouco não deu certo.

Sabe-se lá o que ocorreria se Lula, no 8 de Janeiro, tivesse decretado a Garantia da Lei e da Ordem e entregue o controle do Distrito Federal aos militares, que sequer foram capazes de defender o Palácio do Planalto.

O fato de não terem dado um novo golpe não representa um mérito, eles apenas cumpriram seu dever de respeitar a Constituição — e é constrangedor que um ministro de governo que correu o risco de ser derrubado não reconheça isso.