Por: Fernando Molica

O apagão é de todos

Sandoval de Araujo Feitosa Neto, diretor geral da Aneel | Foto: Divulgação/Aneel

O que foi dito lá no início da epidemia de dengue sobre o Aedes aegypti precisa ser repetido agora em relação ao que ocorre em São Paulo: não importa se o apagão é federal, estadual ou municipal, ele é de todos. Todas as instâncias de poder falharam ao não agirem para evitar o novo caos na maior cidade do país. 

A lista não ficaria completa sem a presença da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que, assim como outros pares — em especial a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar — demonstra muita compreensão com empresas que deveria fiscalizar, no caso, a Enel.

A propalada independência dessas agências reguladoras não pode ser garantia de impunidade; essa autonomia não as coloca acima dos poderes. E, por falar em poder, cabe ao Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, fazer o  controle externo das agências reguladoras.

O diretor geral da Aneel, Sandoval de Araujo Feitosa Neto, foi nomeado em agosto de 2022 por Jair Bolsonaro, mas isso não exime o atual governo de pressioná-lo. Ontem, a Controladoria-Geral da União abriu uma sindicância contra a agência — a iniciativa é bem-vinda, mas chegou atrasada.

Governador de São Paulo e defensor intransigente das privatizações, Tarcísio de Freitas (Republicanos) não desferiu na Enel e na Aneel as vigorosas marteladas com as quais comemorou a licitação de um trecho do Rodoanel.

Não importa que a concessão seja federal e que a poda de árvores deveria ter sido feita pela prefeitura, comandada por um aliado — ele foi eleito para cuidar da população do estado, não poderia se otimir.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) não fez o básico: cuidar de árvores, podá-las e, mesmo, em situações mais emergenciais, remover algumas delas.  

O novo apagão reforça a necessidade de se repensar o processo de privatizações. Não que deva ser interrompido, em tese não cabe ao Estado cuidar da distribuição de energia elétrica. Mas, como poderes concedentes, os governos não podem agir de maneira irresponsável deixando que empresas, na ânsia de reduzir custos e de produzir superávit, sejam negligentes com a qualidade de serviços, muitas vezes, essenciais.

É fácil lucrar demitindo profissionais qualificados e repassando para mãos terceirizadas tarefas ligadas diretamente a atividade-fim de uma empresa. Não é correto que governantes exaltem os prodígios econômicos de companhias privatizadas sem levarem em conta a qualidade dos serviços prestados.

É preciso também repensar o modelo das agências reguladoras. A existência de mandatos para seus diretores foi essencial para que a Anvisa tomasse, durante a pandemia, decisões que contrariavam o então o presidente da República.

Há alguns meses, o mesmo diretor geral da agência, Antônio Barra Torres, valeu-se de sua independência para responder ao presidente Lula (PT), que reclamara de uma suposta demora na aprovação de medicamentos.

Mas o Estado não pode repassar poderes praticamente infinitos a ninguém. Não é razoável que o diretor geral da ANS, Paulo Rebello, declare, como fez em entrevista a O Globo, esperar "um pouco mais de transparência" de operadoras de planos de saúde coletivos. Como esperar algo de um universo opaco, que, a cada ano, impõe aumentos sem dar ao trabalho de dizer de onde vieram os números (como o próprio Rebello admitiu).

Criadas no governo Fernando Henrique Cardoso em consequência do programa de privatizações, agências reguladoras passaram, em muitos casos, a demonstrar independência em relação aos consumidores. É preciso criar mecanismos para que seus diretores não se comportem como como representantes de quem deveriam fiscalizar.