Por: Fernando Molica

Eike, o X da questão da picaretagem

Eike Batista | Foto: Cláudio Magnavita

O poder de sedução de fórmulas de enriquecimento rápido e fácil é muito anterior a Pablo Marçal, basta lembramos da rasteira que o então tigrão Eike Batista deu em milhares de pessoas que acreditaram em seu suposto toque de Midas.

Excelente no marketing pessoal, Eike soube construir uma imagem de vencedor, de bilionário que acertava todas as bolas na caçapa. Amigo dos amigos certos — entre eles, políticos muito bem recompensados —, o empresário virou modelo de sujeito bem-sucedido e que, ainda por cima, era casado com a Luma de Oliveira.

Em 2008, fez muito barulho para lançar sua petroleira, a OGX, sucesso de público e de crítica antes mesmo de cavar seu primeiro poço. Embalados na mesma onda do aprenda inglês dormindo, milhares de brasileiros imitaram Luma e, de forma voluntária, amarraram no pescoço uma coleira com o nome de Eike.

Diferentemente do que prega Marçal em seus cursos, o sujeito nem precisava se esforçar para pegar carona na onda de prosperidade surfada pelo empresário: bastaria colocar seu dinheiro nas mãos dele e ir pra casa fazer planos para a compra de mansão com piscinas de ondas artificiais. 

Ao quebrar, a OGX deixou na mão 52 mil acionistas minoritários, gente que, para pegar carona no delírio do empresário, trocou investimentos convervadores pelo sonho do petróleo próprio, vendeu carros, imóveis, até mesmo a única casa da família.

Eike fazia uma espécie de dobradinha com o deus vendido em tantas igrejas que adotam a Teologia da Prosperidade. Nesses templos, o divino é encarado como uma espécie de insaciável CEO do universo, que precisa ser alimentado com mais e mais ofertas voluntárias, que em muito superam o tradicional dízimo.

A lógica inspirada no mercado de capitais é simples: quanto mais o fiel investir, mas será recompensado. Eike tratou de encarnar o discurso reciclado do paraíso aqui na Terra. Arrecadou R$ 6,7 bilhões apenas com a oferta pública de ações da OGX.

Seus poços mostraram uma grande capacidade de produção de PowerPoints — meu Chevette 1979, que ficou dez anos comigo, jogava muito mais óleo no chão da garagem do que a quantidade de petróleo arrancada do solo pela OGX e encaminhada para os dutos.

A quebradeira da OGX e de outras empresas de Eike transformou em pó os sonhos e as expectativas de muita gente, revelou que não é tão simples assim ganhar dinheiro, principalmente, muito dinheiro. Mas num país que trata tão mal os trabalhadores, que não oferece uma educação pública de qualidade para a maioria dos estudantes, é sempre grande a tentação de cortar caminhos.

Os exemplos de fortunas instantâneas construídas no mundo virtual e a tolerância com políticos que há décadas não se afastam do centro dos cofres públicos também servem de estímulo para a busca de estradas alternativas, nem que seja necessário trafegar pelo acostamento.

A dificuldade de crescer por caminhos formais numa sociedade até hoje marcada pelas sequelas da escravidão, que nega direitos básicos à maioria das pessoas, serve de combustível para saídas heterodoxas. Alimenta desatinos, faz parecer sensatos o sujeito que oferece petróleo onde não há; o cara que promete riqueza de origem divina em troca de doações; o outro que arrisca a vida de seguidores ao levá-los para o alto de uma montanha para ouvir o discurso que os tornaria bem-aventurados — por pouco não tiveram antecipado seu encontro com o Criador.

Não é fácil abrir mão das tentações, principalmente quando a vida se mostra tão dura e sem esperança. Mas é preciso ter cuidado para não repetir o erro dos que viram a coleira com o nome de Eike se transformar numa âncora que os levou para o fundo do mar.