Por: Fernando Molica

A irresponsabilidade da PM precisa ser punida

Tenente-coronel Cláudia Moraes, porta-voz da PM do Rio. | Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

A tragédia provocada por mais uma operação desastrada da PM do Rio não pode ficar impune. Três homens foram mortos — um, passageiro de ônibus; o outro, motorista de aplicativo; o terceiro, caminhoneiro —, três pessoas ficaram feridas, a polícia teve que suspender sua ação. A menos de um mês da reunião do G-20, uma das principais vias da cidade voltou a ser fechada.

Não basta lamentar, dizer que providências serão tomadas, trocar o comandante A pelo B. É preciso que o Ministério Público, responsável pelo controle externo da polícia, investigue o caso, identifique os responsáveis e os denuncie à Justiça.

Essa nova carnificina só ocorreu pela existência de bandidos com armas de guerra. Mas não se pode esperar que criminosos se preocupem com a população, com as consequências de seus atos — cabe ao Estado tomar precauções para não provocar conflitos que matam tantos inocentes.

Porta-voz da PM, a tenente-coronel Cláudia Moraes, revelou as graves falhas de planejamento ao dizer que a polícia foi surpreendida, que não tinha informações detalhadas sobre o local  —  o Complexo de Israel —, que desconhecia o fato de traficantes terem cavado valas que dificultavam o trabalho dos agentes.

Diante de tamanha ignorância sobre o que encontraria pela frente, como é que a PM faz uma operação que coloca em risco a população como um todo e os próprios policiais, jogados em mais uma batalha sangrenta e inútil, que apenas provoca mortes, feridos, fechamento de escolas (17) e unidades de saúde e desespero.

A linguagem militar utilizada pela oficial ("As nossas tropas encontraram grande dificuldade em avançar no terreno") reforça o descompasso na maneira de se encarar a segurança pública. Esta não deveria ser encarada como guerra contra um inimigo, mas como atividade garantidora do exercício da cidadania. 

Nos primeiros 17 dias deste mês, a polícia fluminense realizou 69 operações em favelas — quatro por dia. Ao longo de 2024, fez cinco incursões no Complexo de Israel. A força dos bandidos — que, vale repetir, fizeram a PM recuar — mostra que esse tipo de estratégia não tem qualquer efeito na redução do poder dos criminosos.

É inacreditável que, depois de repetidos fracassos acumulados ao longo de décadas, a polícia continue a priorizar esse tipo de operação e não um trabalho sistemático de investigação que ao menos dificulte a chegada de armas e de munição às mãos dos bandidos.

Tráfico de drogas existe praticamente no mundo inteiro, mas o domínio de vastas áreas por bandidos que portam armas de guerra é quase uma particularidade brasileira; em especial, fluminense.

Não se pode achar normal que em todos os bairros do Rio haja, neste momento, grupos de pessoas portando fuzis e metralhadoras, quadrilheiros que continuam a receber caixas e caixas de munição. Não é razoável que o Estado brasileiro não consiga interromper esse fluxo, não prenda os traficantes de armas e de cartuchos.

Apenas a cumplicidade de setores da máquina estatal com o crime é capaz de explicar tamanha leniência e a insistência num modelo de segurança que prioriza ações espetaculosas e inúteis. Desesperada, boa parte da população acaba respaldando matanças em favelas, parte do pressuposto que nelas só há bandidos, e que estes têm que ser mortos, mesmo que inocentes também sejam vítimas dos confrontos.

Tragédias como a de ontem alertam que ninguém está livre de ser atingido por uma bala vinda dessa guerra perdida, todos estamos na linha de tiro. Renato Oliveira, o passageiro do ônibus da linha 493; Paulo Roberto de Souza, o motorista de aplicativo e Geneílson Eustáquio Ribeiro, o caminhoneiro, morreram porque viviam no Rio.