A falta de punições estimula as fake news
Não basta insistir na tese de que esta ou aquela inverdade não foi suficiente para mudar o resultado eleitoral, seria o mesmo que absolver os culpados por tentativa de homicídio pelo fato de a vítima ter escapado com vida.
A leniência da Justiça Eleitoral é a grande responsável por situações esdrúxulas como a promovida pelo candidato Pablo Marçal (PRTB) que, em cima da hora, divulgou um documento falso sobre eventual consumo de drogas pelo adversário Guilherme Boulos (Psol).
Apesar das promessas de combate às notícias fraudulentas e de uma certa agilidade na retirada destas das redes sociais, o Judiciário não tem feito o mais importante: punir de maneira rigorosa os responsáveis e os beneficiados pela enxurrada de mentiras.
Hoje, a exclusão das fake news ocorre quando as falsas informações já são de domínio público, reproduzidas à exaustão entre eleitores. É fundamental punir os criminosos para desestimular futuras iniciativas semelhantes.
A declaração de improcedência, em outubro de 2021, de duas ações contra a chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão é um bom exemplo da impunidade. Já foi absurdo o Tribunal Superior Eleitoral levar três anos para julgar o caso, a análise ocorreu quando os vencedores da eleição de 2018 já tinham cumprido dois anos e dez meses de mandato.
Na época, ministros do TSE chegaram a alegar que seria impossível provar se o disparo ilegal e massivo de mensagens de Whatsapp pela campanha vencedora tivera influência decisiva no resultado do pleito. Uma questão subjetiva, impossível de ser comprovada, foi usada para punir culpados e abriu caminho para novos crimes.
Eleições sempre foram marcadas por boatos, fato que ganhou ainda maior proporção com o advento da internet e, depois, da criação das redes sociais. Mas, no Brasil, a partir da campanha de Bolsonaro em 2018, esse tipo de fraude ganhou características industriais e profissionais.
Como mensurar o impacto de mentiras como a distribuição, em cidades administradas pelo PT, de mamadeiras com bico em forma de pênis, e a defesa da pedofilia, pelo então candidato Fernando Haddad? Ninguém foi preso ou teve os direitos políticos cassados pela produção e divulgação de tamanhas barbaridades.
A cassação do mandato do deputado estadual Fernando Francischini (União-PR) ocorreu muito mais por uma questão estratégica — a necessidade de o TSE combater fake news sobre urnas eletrônicas — do que pela falsa notícia, por ele alardeada, de uma fraude no sistema de votação eletrônica.
A tolerância com a avalanche de mentiras não pode ser mantida. Na campanha do primeiro turno, Marçal mostrou que não há limites para as calúnias e o fato de ter recebido uma votação tão expressiva demonstra que há um público sedento por notícias fraudulentas que reforcem suas convicções e preconceitos.
Não basta insistir na tese de que essa ou aquela inverdade não foi suficiente para mudar o resultado eleitoral, seria o mesmo que absolver os culpados por tentativa de homicídio pelo fato de a vítima ter escapado com vida.
Protagonista desta eleição por seus ataques indiscriminados a adversários, por suas mentiras e por sua atuação à margem da legislação, Marçal merece encabeçar a lista dos que serão punidos, mas a lista é bem longa. Para a sobrevivênca da democracia, é preciso que os responsáveis pelas mentiras sejam investigados pela polícia, denunciados pelo Ministério Público e condenados pela Justiça.