Razões de direita
Cria do processo de industrialização que teve São Paulo como grande referência nacional, o PT demonstra não ter se conectado com os tempos em que o grande objetivo na vida de um trabalhador era conseguir um emprego numa grande multinacional, algo que também abria perspectivas de carreira.
Não adianta culpar apenas os ecos da Lava Jato: a diminuição do apoio à esquerda em praticamente todo o país e a ascensão de candidatos conservadores ou de direita radical reforçam uma mudança do eleitor.
Sim, o estrago feito pela tabelinha entre Sérgio Moro e o Ministério Público foi grande, acabou de vez com uma ligação entre honestidade e a esquerda outrora tão cultivada pelo PT — Leonel Brizola (1922-2004) costumava chamar o partido de "UDN de macacão e tamancos", uma ironia com a agremiação de Carlos Lacerda (1914-1977), que tanto focava na moralidade dos negócios públicos.
Jair Bolsonaro desde meados de seu mandato na Presidência vem sendo alvo de muitas acusações e críticas, mas seu apoio a alguns candidatos se mostrou decisivo na reta final do primeiro turno. O bolsonarismo e direita demonstram, até agora, uma resiliência maior do que a do PT.
Cria do processo de industrialização que teve São Paulo como grande referência nacional, o PT demonstra uma certa nostalgia do tempo em que o grande objetivo na vida de um trabalhador era conseguir um emprego numa grande multinacional, algo que também abria perspectivas de carreira.
Os relatos do presidente Lula sobre a alegria de virar metalúrgico são hoje mais válidos como documento histórico do que como exemplo de vida para milhões de jovens que arriscam suas vidas montados em motocicletas ou que passam horas a fio ao volante de um carro preso a um aplicativo de transporte.
Um vídeo postado ontem por Rick Azevedo, vereador eleito no Rio pelo Psol, ajuda a entender o fenômeno. Ele exalta seu compromisso na defesa dos trabalhadores, mas não cita operários da indústira, mas os que ralam em shoppings, padarias, postos de gasolina, restaurantes, lanchonetes e call centers — o pessoal de comércio e serviços que ganha pouco e tem baixa expectativa de crescimento dentro do próprio emprego.
Trata-se de gente que se considera explorada, mas que não nutre esperanças de, com a luta do combalido sindicalismo, conquistar ganhos expressivos. Mais do que xingar os patrões, querem ser donos dos próprios negócios. Movidos por uma força de inspiração religiosa e de busca de uma terra prometida, apostam no individualismo e não na luta coletiva.
São pessoas nem tão jovens assim para sonhar com a universidade tão alardeada por Lula, um caminho importante, mas muito duro para os mais pobres. Muitas vezes, estudar significa abrir mão de trabalhar e de dormir. Brigar por terra e moradia representa um direito, mas é duro viver num acampamento do MST e encarar tiro, porrada, bomba e reprimenda social a cada ocupação.
As necessárias e importantantíssimas pautas identitárias geraram ganhos como a transformação da luta contra o racismo em assunto corrente e a proliferação — há alguns anos impensável — de eleição de candidatas e candidatos transexuais.
Mas os setores progressistas não se preparam para a reação oportunista e caricatural dos que fazem questão de fingir confundir afirmação de direitos com uma suposta e risível imposição de comportamentos.
A eleição de Lula em 2022 não muda o quadro, apesar de todos os erros de Bolsonaro no combate à pandemia e de seus acenos golpista, a vitória foi bem apertada.
A mudança na sociedade é tão gritante que o extremismo de direita passou a ser aceitável, diferentemente do que ocorre com posições mais radicais da esquerda. O PT acabou identificado com uma posição conservadora, que remete a tempos pretéritos.
O discurso da rebeldia, do contra tudo que está aí, acabou assumido pela direita. Como não vai dar para trocar de povo, a esquerda precisa tratar de entendê-lo e de adaptar conceitos e certezas.