O Centrão existe; o centro, não

Por Fernando Molica

Partidos do Centrão abrigam cerca de metade dos deputados federais.

As maiores vitórias no primeiro turno não foram de um suposto centro, mas do Centrão, um conglomerado não ideológico que se organiza em partidos e que demonstra fidelidade principalmente ao toma lá-dá cá. 

O centro tão louvado nos últimos dias é uma abstração surgida da necessidade de definir agremiações que não são de esquerda ou de direita. Mas isso não as coloca no centro, é complicado transplantar para a política um conceito matemático.

A transformação do Centrão velho de verbas em centro dá ao grupo uma ideia de equilíbrio e de moderação que é contraditória com sua atuação, os integrantes do grupo costumam ser bem radicais na defesa dos próprios interesses.

O conceito de centro é baseado numa negação, não em definições. Na economia, por exemplo, eles seriam estatizantes ou privatistas? Topariam privatizar a Codevasf?

O viés conservador desses partidos até permitiria classificá-los como de direita ou de centro-direita. O enquadramento, porém, contrasta com o apoio de muitos deles a governos petistas. 

Em 2010, a coligação que apoiou Dilma Rousseff incluía PRB (o atual Republicanos), PR (hoje, o PL),  PTC (PJ que virou PRN — aquele do Collor — e Agir), PSC e PTN (os dois últimos passaram a formar o Podemos). 

Por uma questão de estratégia eleitoral, Valdemar Costa Neto, que, no PR, cedeu o candidato a vice para Lula em 2002 e 2006, tratou de adequar seu PL à direita representada por Jair Bolsonaro. Isso não impede flertes com o governo no escurinho de nomeações difarçadas que se refletem no placar de votações do plenário da Câmara.

Mas praticamente todos os demais partidos do Centrão seguem o mantra franciscano proferido pelo eterno presidente de honra do grupo, o ex-deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996): "É dando que se recebe". 

Isso não quer dizer que o Centrão não seja importante para o equilíbrio institucional. Apesar do oportunismo revelado na votação do impeachment da ex-aliada Dilma, esses partidos marcados pela maleabilidade de suas posições, costumam ajudar o governo de plantão, desde que devidamente recompensados.

Um processo que acabou abalado pela profusão da obrigatoriedade de liberação de emendas parlamentares, mecanismo imposto a Dilma e consolidado por Bolsonaro.

Com dinheiro no bolso e menos dependente de cargos cedidos pelo Executivo, o Centrão fez como muitos jovens, e fugiu do controle dos pais alojados no Palácio do Planalto. Trocou o papai me empresta o carro por um Porsche que, abastecido pelas emendas, saiu atropelando urnas no último domingo. Poderoso, cobra caro para fazer um agrado aos genitores e marcar presença num almoço de família.

A ascensão da direita a partir de 2018 permitiu ao Centrão juntar de maneira mais confortável a fome de poder com a vontade de aderir. Foi liberado para defender propostas mais compatíveis com o conservadorismo que carrrega, marcado menos por convicções econômicas e comportamentais e mais pelo compromisso de manutenção das estruturas arcaicas, excludentes e ancoradas no extrativismo estatal.

Fatos ocorridos nas últimas décadas mostraram que não há monopólio de virtude nem de pecados na vida partidária brasileira, mas a existência de alguma definição ideológica de agremiações e de políticos é importante para a vida institucional, permite até alguma previsibilidade em votações.

Ter parlamentares não radicais, capazes de ceder à direita ou à esquerda é fundamental. Trocar votos no Congresso por vantagens políticas ou pessoais não chega a ser novidade — mas convém não atribuir qualidades inexistentes a um fisiologismo que tanto prejudica o país.