O Maraca é nosso
Apesar de desfigurado, de adaptado ao padrão Fifa de exclusão, o Maracanã continua a se renovar, a nos reconciliar com nossa infância, com nossos sonhos, com nossas expectativas, com nossa eterna vontade de entrar em campo e de fazer gol
A ida ao Maracanã na sexta terminou complicada — o Botafogo cedeu o empate de forma absurda e tive meu celular furtado na saída. Mas, mesmo assim, gerou um encantamento que eu não voltara a sentir desde que o estádio foi destruído e reconstruído.
Estimulada mais para desviar verbas do que por razões esportivas, a reforma do Maracanã gerou conforto, mas solapou a monumentalidade do nosso templo em comum. A derrubada da ousada marquise em concreto armado e o fim dos dois tabuleiros de plateia (o das arquibancadas e o das antigas cadeiras azuis) diminuíram a grandiosidade do estádio.
As obras também retiraram protagonismo das duas grandes rampas — a do Bellini e a da Uerj — que serviam de caminho e guia para a maior parte dos torcedores. Elas abrigavam a esperança de uma vitória, acarinhavam nossas comemorações e davam abraços de consolo nas derrotas.
Lembro que saí muito triste ao entrar no Maracanã reformado pela primeira vez. fui testemunhar um Casado contra Solteiros desses que serviu de teste para a Copa das Confederações, que seria em 2013.
Pela primeira vez, sentia-me perdido no estádio, sem saber localizar pontos referenciais, como o gol onde Maurício enfiou a bola que, em 1989, tirou meu time da Grande Seca. Estive também em jogos da Copa do Mundo, da Olimpíada, vi um ou outro jogo do Botafogo. Foi como se estivesse num estádio qualquer.
Mas, na sexta, talvez pela saudade, talvez pelo bom momento do Botafogo, voltei a me reconhecer no estádio em que estive pela primeira vez aos sete anos, levado por meu pai. Percorri com os olhos a longa elipse, círculo entortado como as pernas de Garrincha, como a folha seca de Didi. Vi uma arquibancada lotada pelas mais belas cores, o preto e o branco que resumem ausência e totalidade.
As tantas crianças presentes — entre elas, minha sobrinha mais nova, de dez anos — reforçaram a lembrança de "Menino-que-chega", uma das mais belas crônicas do botafoguense Armando Nogueira. Para ele, cada criança que chega no grande estádio é "grama nova que floresce no campo."
Apesar de desfigurado, de adaptado ao padrão Fifa de exclusão, o Maracanã continua a se renovar, a nos reconciliar com nossa infância, com nossos sonhos, com nossas expectativas, com nossa eterna vontade de entrar em campo e de fazer gol do título — ainda é nosso. É lá que abraçamos estranhos, que festejamos e aprendemos a conviver com derrotas que parecem que nunca vão passar.
Na sexta, ao entrar no túnel que dá acesso ao meu setor, revi o gramado, as arquibancadas — mas, principalmente, me vi. Vi também meu pai, meus filhos — um deles também estava no estádio. O Maracanã nos dá um sentido de continuidade e de permanência.
E aí, volto a citar Armando Nogueira que, no mesmo texto, fala da nossa infância e da bola, brinquedo mágico, forma perfeita, forma divina.