Por: Fernando Molica

O aumento de penas se voltou contra seus defensores

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os muitos anos de prisão impostos pelo Supremo Tribunal Federal a condenados pelo 8 de Janeiro são o principal argumento dos defensores da anistia. As penas são mesmo pesadas, mas fazem parte de uma cultura de aumento do tempo de prisão tão defendida pela direita.  

Na campanha, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) cobrou diversas vezes de Guilherme Boulos (Psol) sua ausência do plenário da Câmara durante a votação de projeto que aumenta a pena para condenados por roubo e furto — praticamente, só deputados de esquerda foram contra.

Como mostrou a coluna Correio Bastidores, parlamentares bolsonaristas foram contra o projeto que, ao substituir a Lei de Segurança Nacional, tipificou, entre outros, os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado.

Mas a lei, que prevê até 12 anos de reclusão, foi sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro. É razoável que se questione a aplicação de penas que somam 17 de anos de cadeia a pessoas que, apesar de terem participado da tentativa de golpe e da depredação de sedes de poderes, não foram autoras da conspiração.

Mas a pregação de penas cada vez maiores para praticamente todos os crimes acabou contaminando o ambiente jurídico-institucional. Uma gritaria tão efetiva que sufoca os especialistas que insistem em outro viés: o que constrange o criminoso não é o tempo de cadeia, mas a certeza de que não haverá impunidade.

Os que divergem de penas cada vez mais longas e do encarceramento massivo são chamados de defensores de bandidos. Ouvem que deveriam levar criminosos pra casa, que não agiriam desse jeito caso suas filhas fossem estuprada.

Uma discussão que deveria ser técnica, virou apenas emocional. Os políticos sabem que conseguirão mais likes e votos se defenderem aumento de penas para a maior parte dos crimes (a exceção fica para casos que lhes interessam, como a lei diminuiu as situações de improbidade administrativa).

Fenômeno parecido aconteceu com a proibição de que presos em regime semiaberto possam visitar suas famílias. Setores conservadores conseguiram emplacar o apelido de "saidinha" a essa concessão. Ignoraram estatísticas sobre o baixo não retorno dos beneficiados, aprovaram a interdição e derrubaram o veto de Lula. 

Só que pau que dá em Luiz dá em Jair. Caso a anistia não saia, a lei vai impedir que condenados pela intentona de 2023 tenham, dentro de alguns anos, o direito de visitar suas famílias. Não haverá exceções para os supostos patriotas, os autoproclamados homens e mulheres de bem.

A ânsia pelo encarceramento está ligada a uma característica muito evidente na sociedade brasileira, à nossa tradição escravocrata de punir apenas pretos e pobres. Para estes, quanto mais isolamento, melhor. 

Pode-se alegar que os golpistas não cometeram crimes tão graves quanto homicídios e assaltos à mão armada. Tudo depende da ótica — aqueles que trabalharam pela implantação de uma ditadura sabem das mortes, torturas e desaparecimentos que fazem parte do cardápio de qualquer regime autoritário. Quem pede golpe militar é cúmplice dos crimes que serão cometidos por ditadores.

É justa a tentativa de se buscar formas de se rediscutir penas aplicadas, mas não pode haver anistia para crimes contra a liberdade cometidos em plena vigência da democracia. Diferentemente de quem foi preso na ditadura, os golpistas tinham ampla liberdade de se manifestarem pacificamente, mas decidiram partir pra quebradeira.

É provável que os presos pela intentona também tenham advogado por mais tempo de cadeia para terceiros: nunca imaginaram seriam vítimas de suas próprias propostas.