Por: Fernando Molica

A gorjeta milionária ao iFood e o remendo das emendas

Restaurantes acusam iFood de pressão para exclusividade | Foto: Divulgação

Não sabíamos, mas nos oito primeiros meses do ano, demos R$ 336,110 milhões de gorjeta compulsória ao iFood — para a empresa, não para seus entregadores. Já desconfiávamos, mas agora foi comprovado que boa parte do nosso dinheiro que vira emenda parlamentar serve apenas para encher os bolsos de beneficiados pela grana.

A revelação sobre o iFood foi feita pela própria empresa à Receita Federal, que passou a exigir que beneficiados por isenções fiscais — o dinheiro que deixam de pagar em impostos — revelem o tamanho do presente.

Líder no segmento de entrega de comidas, o iFood pegou carona no Perse, programa aprovado pelo Congresso e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro para isentar do pagamento de impostos federais, por cinco anos, empresas do setor de eventos, prejudicadas pela pandemia.

A demanda por entrega de comida disparou durante o isolamento provocado pela covid, mas, mesmo assim, o iFood conseguiu encheu seu mochilão de incentivos — todos nós subsidiamos sua operação. O governo até conseguiu retirá-la da lista de beneficiados, mas a Justiça tratou de devolvê-la à lista (Uber e 99 também conseguiram manter a boquinha).

Revelada pela Folha de S.Paulo, a lista de isenções fiscais revela que, entre janeiro a agosto, o setor de adubos e fertilizantes — algo que impacta diretamente o agronegócio — deixou de pagar R$ 15 bilhões em impostos. O pessoal dos agrotóxicos ganhou um carinho de R$ 10,8 bilhões (os produtores de soja — competentes também na arte de colher isenções — economizaram R$ 3 bilhões).

Empresas de 17 setores conseguiram, em 2024, renovar o direito de pagar menos encargos previdenciários, benefício que deveria ter acabado no ano passado. Resultado da chamada "desoneração" (essas medidas sempre ganham nomes edificantes): R$ 12,3 bilhões a menos nos cofres públicos e mais déficit para a Previdência. Os incentivos somaram, em 2023, R$ 537 bilhões; devem chegar a R$ 789 bilhões este ano.

O dinheiro que deixa de entrar é compensado com o dinheiro dos outros — o nosso. Com menos grana, o governo é pressionado a cortar despesas, especialmente na área social.

O caso das emendas é igualmente escandaloso. A Controladoria-Geral da União resolveu dar um confere em 30 dos municípios agraciados com a grana que deputados e senadores têm direito de arrancar do Orçamento da União. Analisou a aplicação de verbas de emendas encaminhadas entre 2020 e 2023.

O resultado não supreende ninguém que tenha um mínimo de conhecimento sobre o país. Do total de obras, 39% sequer haviam sido iniciadas e 5% estavam paralisadas. Em outro documento, a CGU verificou que sete de dez organizações beneficiadas com um total de R$ 482 milhões não têm a menor capacidade de fazer o que deveriam executar.

Auditoria do Tribunal de Contas da União apurou que, sob Bolsonaro e no primeiro ano de mandato de Lula, parlamentares despacharam R$ 3,5 bilhões para obras de pavimentação feitas sem qualquer critério técnico. E tome de asfalto feito sem planejamento, muitas vezes em terrenos onde, por falta de drenagem, o trabalho irá ceder na primeira chuva.

Toda essa grana saiu via Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, a  Codevasf, oito letrinhas que sangram o dinheiro público — estatal amada por políticos e que ninguém quer privatizar. 

Agora, para eleger seu sucessor à presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) pôs pra andar emenda constitucional que amplia as regalias tributárias de religiões — todos, inclusive ateus, têm que pingar algum na sacolinha. E aí, não tem jeito, um lado compra a simpatia divina; o outro, que trate de pagar a penitência.