O terrorista Francisco Wanderley Luiz errou ao achar que, ao provocar explosões na Praça dos Três Poderes, fazia um gesto político — ele atuou movido por um sentimento religioso, que vai além da disputa entre ideias e pessoas.
Uma exacerbação já vista principalmente a partir de manifestações ocorridas depois da nova eleição de Lula à Presidência da República.
Um cidadão tem todo o direito de discordar do PT, de Lula, de achar que o Supremo Tribunal Federal errou nessa ou naquela decisão, que pesa a mão em condenações de envolvidos com o 8 de Janeiro. Pode criticar os ministros, organizar protestos, pedir o impeachment de um ou de outro.
Mas transformar pátio de quartel em igreja, invadir e depredar sedes de poderes e tentar explodir o STF são atos que extrapolam a lógica da política, atuam no campo da fé, do bem e do mal, da salvação ou da danação.
Religiões vão além da racionalidade, falam de abstrações que não podem ser provadas. É lícito e compreensível acreditar na ressureição de Cristo, no poder dos Orixás, no paraíso mulçumano e em suas 72 virgens — a vida como ela se apresenta não costuma ser suficiente para saciar nossas curiosidades, dúvidas, angústias e ambições.
Cada um que crê tem o direito de rezar, orar, cantar, dançar, cumprir obrigações, louvar seus deuses, neles buscar esperança, conforto e curas. Pode acreditar que sua fé é a única verdadeira (desde que, claro, aceite a de terceiros).
Mas é absurdo transportar para o campo terreno as certezas e obrigações que haveria nos céus. Não se pode aplicar, na vida social, a lógica de exclusão que caracteriza tantas religiões, especialmente as monoteístas.
Trata-se de um sentimento que, ao longo de milênios, vem sendo explorado e instrumentalizado por políticos que tantas vezes recorrem ao invisível para esconder seus tantos pecados, que estimulam matanças e crimes em nome da fé. Eles sabem que é muito mais fácil alguém morrer em nome de um deus do que por este ou aquele político.
Sempre encontram pessoas que, por diversos motivos e fragilidades, aceitam abrir mão da racionalidade e até mesmo da vida em nome de certezas que, convenhamos, não fazem parte da lógica política, campo necessário de disputa marcado não pela pela perfeição, mas pelas limitações e interesses humanos, legítimos ou não.
Vale ter cuidado com a soberba, um dos pecados capitais, algo que, no limite, faz com que algumas pessoas se sintam superioras a outras pelo simples fato de acreditarem no deus A e não no B.
É também complicado achar que Deus trabalha na lógica da negociação que marca a vida política. Seria até ofensivo achar que Ele aprovaria alguma safadeza feita por um político só porque o sujeito vota a favor de determinadas pautas ligadas ao comportamento. Deus não é hipócrita e, todo poderoso que é, não precisa disputar eleição. A bola da política é nossa, e não pode ser tercerizada.