Os suspeitos de articularem o assassinato de autoridades seguiram o ideário defendido por Jair Bolsonaro desde seus tempos de caserna: elogio à ditadura, planejamento de atentado terrorista, assassinato de adversários, quebra de hierarquia nas Forças Armadas.
Premiados com cargos e prestígio, oficiais-generais não vacilaram em, mais uma vez, trair as instituições que tanto dizem amar. Ignoraram dois princípios básicos de qualquer força armada digna de respeito: manter distância da política e preservar a hierarquia e a disciplina.
O material até agora divulgado pela Polícia Federal não permite concluir que o ex-presidente foi cúmplice, por ação ou omissão, na tentativa golpista que previa o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Mas é impossível negar que o golpismo sempre pregado por Bolsonaro serviu de inspiração e de guia para para os conspiradores. Bolsonaro surgiu na vida pública ao, ainda na ativa, publicar, em 1986, na revista Veja, artigo em que criticava os baixos salários nas FFAA.
No ano seguinte, a revista revelou que o capitão estava envolvido na estruturação de explosões até em quartéis para alavancar o protesto contra os baixos vencimentos. Condenado por um conselho de justificação do Exército, ele conseguiria ser absolvido por 9 a 4 pelo Superior Tribunal Militar num julgamento em que foi favorecido por uma oportuna e suspeita confusão entre laudos.
Sem condições de permanecer na Força, Bolsonaro iniciou carreira de político — de tanto atacar a cúpula militar, foi proibido de entrar em quartéis. Tornou-se ídolo, porém, dos jovens oficiais, entre eles, muitos que hoje estão no generalato.
O apelo à violência e a pregação pela quebra da institucionalidade são marcos de sua carreira. Propôs o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso por sua decisão de vender a Vale, declarou que, caso eleito presidente, daria um golpe de Estado, reteirou a defesa de torturadores, elogiou atos autoritários dos presidentes Alberto Fujimori (Peru) e Hugo Chávez (Venezuela).
Eleito presidente graças a uma combinação de fatores que incluiu a condenação e prisão de Lula, Bolsonaro, no Planalto, manteve a visão de mundo e o comportamento de sempre.
Fez sucessivas ameaças à democracia, anunciou que desrespeitaria ordens judiciais, incentivou a quebra da hierarquia nas FFAA. Integrantes de postos de comando na instituições militares demonstraram que mantêm aceso o cachimbo golpista que entorta suas bocas desde a derrubada do Império.
Principalmente nos últimos anos de Bolsonaro no Planalto, chefes militares ajudaram a bagunçar o coreto institucional, meteram-se onde não deviam, emitiram notas que traziam implícitas ameaças à democracia, voltaram a maltratar a história recente do país, criaram crise institucional em torno da legitimidade eleitoral — como se eles, quando estiveram no poder, não tivessem abolido eleições. São especialistas em impedir o funcionamento de urnas, não em aperfeiçoá-las.
Todo o processo contou com a cumplicidade de setores importantes da política, de forças policiais e do empresariado. Foi abençoado também por uma significativa parcela da população que, por oportunismo ou ignorância, traz para a sociedade conceitos de uma religiosidade deformada, incompatível com a vida democrática.
Os golpistas e terroristas de hoje são herdeiros dos torturadores impunes e do medo de presidentes — entre eles, Lula — de corrigirem os tantos desvios cometidos e incorporados por militares.
Não haverá paz sem a punição dos culpados e de uma reforma profunda na formação dos funcionários públicos fardados que, de uma vez por todas, precisam entender que não estão acima da população.