O indiciamento de 25 militares na articulação golpista reforça a necessidade de uma profunda reformulação nas Forças Armadas e no processo de formação de oficiais.
Não é razoável que, passados 135 anos do golpe que instituiu a República e depois de tantas intervenções militares na política, o país continue a conviver com o risco de ruptura provocado ou apoiado por funcionários públicos fardados.
O fato de que dois dos três então comandantes de forças tenham recusado a aventura comandada, segundo a Polícia Federal, por Jair Bolsonaro não afasta a necessidade de uma mudança radical na carreira militar. Dos três, um deles foi a favor do golpe — só isso mostra o tamanho do problema.
Por ação ou omissão, muitos militares, entre eles oficiais-generais e coronéis, foram cúmplices do processo que culminou com a articulação para impedir a posse de um presidente eleito.
A tolerância com as manifestações em portas de quartéis — áreas de segurança —— frisa a conivência, algo que deveria ser investigado e punido. Não é segredo algum o tanto que oficiais aplaudiram as muitas ameaças de rompimento anunciadas pelo então presidente.
O fato de Eduardo Villas-Boas, então comandante do Exércíto, ter dado palpite no julgamento de habeas corpus para Lula foi absurdo, e que ficou impune. A passividade do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público marca uma covardia institucional que gerou graves consequências para o país.
É preciso colocar um fim à tutela que as Forças Armadas insistem em exercer sobre o país. Nós — que pagamos seus salários, suas fardas, suas armas, suas generosas aposentadorias e as pensões de suas filhas — temos o direito de definir o que eles podem ou não podem fazer . E eles não podem ser meter em política, precisam se convencer que são subordinados ao poder civil, eleito pela maioria da população.
De acordo com a PF, a intentona golpista só não foi ainda mais grave porque o então comandante do Exército, Freire Gomes, disse não, e ainda ameaçou prender Bolsonaro. E se ele tivesse dito sim? Não se pode achar normal que a permanência da democracia ou a instituição de uma ditadura dependa de um homem.
Em países de democracia madura, seria impensável que algo assim tivesse sido ao menos cogitado. A constatação de que as articulações golpistas tenham chegado a tal ponto e envolvido tantos militares revela a fragilidade institucional das forças armadas, ainda presas à lógica da guerra fria, ao fantasma do comunismo, a conceitos arcaicos.
O amadorismo e a falta de cuidado dos golpistas também mostra também o despreparo de oficiais que, em tese, deveriam estar preparados para defender o país — a realização de um convescote conspiratório no salão de festas de um prédio mostra o tamanho da incompetência.
Em seus dois primeiros mandatos, montado em altos índices de popularidade, o presidente Lula perdeu a chance de mudar a relação com as FFAA. A exemplo de quase todos os ocupantes do Planalto, manteve a lógica de tratar bem os militares, de garantir suas vantagens, de mimá-los com aviões, navios e tanques.
Comandantes militares não se cansam de reclamar de falta de recursos, mas tratam de omitir que cerca de 85% do orçamento das FFAA no Brasil é gasto com salários e aposentadorias e apenas 5% com investimentos — percentuais que contrastam com os aplicados internacionalmente (Estados Unidos e Alemanha aplicam cerca de 40% dos gastos militares em pessoal).
A conversa tem que ser outra, a sociedade precisa estabelecer novas diretrizes para os militares, que precisam aprender a respeitar o poder civil, não podem continuar a achar que não prestam contas a ninguém.