A Justiça precisa catar as penas jogadas por Tarcísio no ar

Não importa se determinada ação caracterizada como abuso de poder político ou econômico tenha influenciado no resultado eleitoral - no caso específico, Bolsonaro perdeu a eleição para Lula, mas foi condenado à inegibilidade mesmo assim.

Por Fernando Molica

Tarcísio de Freitas disse que PCC pediu votos para Boulos

Ao relativizar as chances de condenação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por abuso de poder político, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral-SP, Silmar Fernandes, ignorou decisões recentes do Tribunal Superior Eleitoral.

À Folha de S.Paulo, o desembargador falou sobre a entrevista em que Tarcísio citou a existência de mensagens do PCC que indicariam voto em Guilherme Boulos (Psol), adversário de seu aliado Ricardo Nunes (MDB) na disputa eleitoral. Fernandes afirmou não saber se o fato teve "influência no pleito". 

Em seu voto vitorioso no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por abuso de poder político, o ministro Benedito Gonçalves, do TSE, deixou claro que a lei que trata do tema explicita que "o resultado do pleito não é, por si, o fator determinante para a condenação por abuso de poder".

A lei diz que "para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam".

Não importa se determinada ação caracterizada como abuso de poder tenha  influenciado no resultado eleitoral: Bolsonaro perdeu a eleição em 2022, mas foi condenado à inegibilidade mesmo assim. 

O ex-presidente era acusado por ter promovido o ato com embaixadores estrangeiros para criticar a urna eletrônica e a cerimônia foi transmitida pela TV Brasil. O TSE considerou que os fatos afetaram a normalidade e a legitimidade do pleito. Pelas mesmas razões, Bolsonaro voltaria a ser condenado por comemorações do 7 de Setembro.

Gonçalves citou uma outra condenação, a do então deputado bolsonarista Fernando Francischini (PR) que, às  16h38, do dia da eleição de 2018, fez uma live em que divulgou notícias falsas sobre a urna eletrônica. 

A transmissão feita por Francischini ocorreu 22 minutos antes do fechamento das urnas — a entrevista de Tarcísio foi no início da tarde do domingo, dia 27, quando houve o segundo turno.

A lei prevê punições para os que abusem do "exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" — para o Psol, este é o caso do governador de São Paulo.

Como publicou, no dia 28, a coluna Correio Bastidores, o abuso — se reconhecido pela Justiça — tem o poder de gerar a declaração de inegibilidade de Tarcísio e também de impedir o exercício do novo mandato de Nunes. Isso, apesar de o prefeito não ter feito, no dia da eleição, qualquer relação entre Boulos e o PCC.

Isso porque a lei prevê a cassação do registro ou diploma "do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação".  Como me disse um procurador do Ministério Público Federal, com larga experiência na Justiça Eleitoral, não cabe discutir a veracidade do fato relatado pelo governador, mas se este foi capaz de gerar turbulência no dia da eleição.

Na entrevista, o desembargador frisou que a notícia do suposto apoio do PCC já havia sido divulgada por sites de notícias antes da fala do governador. Comparou a difusão da história à impossibilidade de se recolher penas de travesseiro jogadas do alto de um prédio. 

Cabe à investigação apurar e analisar os fatos — resguardado o sigilo constitucional da fonte das reportagens. O caso citado por Tarcísio na entrevista vinha de uma investigação sigilosa da polícia que ele chefia.

Ele atribuiu a suposta informação a "ação de inteligência": com seu gesto, jogou uma quantidade imensa de penas no ar. Agora, a Justiça tem obrigação de catá-las, até para evitar que travesseiros voltem a ser rasgados em eleições.