Os sonhos que envelheceram
Na campanha eleitoral de 2022, Lula voltou a repetir um compromisso importante, porém modesto: o de que, ao fim de seu mandato, cada brasileiro tivesse a garantia de tomar café da manhã, almoçar e jantar
Qualquer discussão sobre fracassos nas urnas não pode deixar de incluir questões subjetivas e revelantes, como a capacidade que um candidato ou partido tem de despertar esperança.
A extrema direita tem sido muito eficiente ao disseminar o medo. E tome de falar mal de imigrantes, de comunistas, de globalistas. Também empunha a lança de uma suposta vingança divina em caso de descriminalização do aborto e de drogas.
Mas apesar de todo o ódio que a alimenta, acena com uma esperança, com futuro semelhante às ilustrações que, antigamente, decoravam capas de cadernos escolares. Desenhos que mostravam uma família branca e sorridente.
O pai indo pro trabalho, a mãe na porta de casa, os filhos chegando a uma escola em que havia uma bandeira brasileira hasteada. Em alguns casos, haveria Jesus no céu abençoando o lar.
Tudo não passava de uma fantasia de um país muito pobre, com população dispersa em áreas rurais, em que até o direito à educação básica era negado à maioria. O atendimento médico público era restrito a quem tinha carteira assinada. A ordem era mantida por uma ditadura que fazia o que toda ditadura faz.
A esquerda também tinha suas fantasias, algumas remontavam à estética do realismo socialista, quase uma transposição para um assentamento do MST daqueles operários de olhar altivo, que, transformados em camponeses, sorriam ao plantar e colher.
O país continua injusto e desigual, mas a utopia petista ficou pequena para os sonhos de tanta gente. Até como consequência de avanços sociais nos três primeiros mandatos presidenciais petistas, muita gente trata de exercer seu direito de querer mais.
Na campanha eleitoral de 2022, Lula voltou a repetir um compromisso importante, porém modesto: o de que, ao fim de seu mandato, cada brasileiro tivesse a garantia de tomar café da manhã, almoçar e jantar. Sim, até hoje há muita gente que sequer tem esse direito — mas, convenhamos, trata-se de uma promessa tímida demais, na linha da tal utopia possível sintetizada pelo ex- presidente Fernando Henrique Cardoso.
Enquanto a esquerda acena com três refeições diárias, a direta fala em prosperidade, em riqueza, em céu na Terra. Mais, oferece um paraíso que não demandaria anos e anos de estudo, de sacrifícios. Na linha Pablo Marçal, bastaria fé em Deus, uma boa ideia na cabeça e muita força no braço.
As cotas, a ampliação de vagas em universidades e programas como o Prouni ampliaram a presença da população em cursos superiores. Apesar do insistem em espalhar alguns setores movidos pela desinformação e pela amargura, instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro hoje são frenquentadas por uma maioria de alunos vindos de famílias pobres.
Mas há milhões de brasileiros, jovens adultos, que não têm mais idade nem condições de vida que lhes permitam entrar numa faculdade. Essa brava gente que tanto rala em carros de aplicativos e em motocicletas precisa de respostas imediatas, de sonhos que possam virar realidade amanhã — ainda que não virem.
É gente que não quer saber de enfrentar a via crucis de um acampamento de sem-terras, confia que será dona de latifúndios de onde jorram grãos que virarão dólares e comida para animais no exterior. Um pessoal que despreza o mesmo Estado que garante educação pública e assistência médica para toda sua família (pesquisas mostram que a maior rejeição ao SUS vem dos que não usam seus serviços).
Mas não se pode trocar de eleitor nem exigir que ele desista seus sonhos — a esquerda, se quiser disputar hegemonia, tem que criar novas esperanças. Política é também uma arte de sedução e de convencimento.